Testemunho de Helena Jorge
«(…) E assim disse mais que era lembrada dizer-lhe, por ume vez, haverá
três anos, pouco mais ou menos, Sebastião Macedo, seu marido, por o dito Damião
de Goes mandar naquele tempo um filho para Flandres, que não tinha paciência
mandar o dito Damião de Goes seu filho a Flandres, estando lá, a terra tão
arruinada nas coisas da fé, a seu parecer. E que assim lhe parece que ouviu
também dizer ao dito seu marido, assim agastado do dito Damião de Goes mandar
seus filhos a Flandres, que não era mais cristão o dito Damião de Goes que essas
paredes ou pedras ou paus. E que outra coisa não sabe do dito referimento, nem
ouviu dizer nem fazer coisas ao dito Damião de Goes que lhe parecesse de mau cristão.
E al não disse. E lhe foi mandado, sob cargo do juramento, ter segredo
no caso. O que tudo disse estando presentes, por religiosas e honestas pessoas,
que tudo viram e ouviram, os reverendos padres frei Francisco Santana, guardião
do dito mosteiro, e frei Filipe S. José, morador no dito mosteiro, que juraram
ter segredo no caso, e assinaram aqui. E ao costume disse a dita testemunha
nada mais, que somente ser o dito Damião de Goes tio do dito seu marido. Pedro Álvares,
notário do Santo Ofício (maldito), o
escrevi, e a assinou ela aqui, juntamente com ele muito reverendo Domingos Simões.
Pedro Álvares o escrevi. Helena Jorge. Domingos Simões. Frei Francisco Santana.
Frei Filipe S. José.
E ida a dita testemunha, o muito
reverendo Domingos Simões fez pergunta aos ditos reverendos padres que era o
que lhes parecia acerca do crédito da dita testemunha e se lhes parecia que
falava verdade. E por eles foi dito que lhes parecia que a falava, segundo a
maneira de seu testemunhar e pola terem por muito católica cristã e por pessoa
que falara verdade e tornaram assinar. Pedro Álvares, notário do Santo Ofício
(maldito), escrevi. Domingos Simões, frei Francisco Santana, frei Filipe S.
José.
Em Évora. Precatório
Os Inquisidores Apostólicos
contra a herética pravidade e apostasia, em este arcebispado de Lisboa e sua
comarca, etc., fazemos saber ao muito magnífico e muito reverendíssimo senhor
doutor Diogo Mendes Vasconcelos, fidalgo da Casa de el-rei Nosso Senhor e do
seu Desembargo, cónego da sé da cidade de Évora e Inquisidor Apostólico na
mesma cidade e arcebispado e seu distrito, etc. Que, neste Santo Ofício
(maldito), está preso Damião de Goes, cristão velho, e porque para despacho de
seu processo é necessário o testemunho de sua filha dona Catarina, mulher de
Luís Castro, que vive nessa cidade. Se é verdade que o dito Damião de Goes, em
um dia de sábado, comeu carne, com dona Briolanja, sua sobrinha, andando ela
prenhe, e depois na mesma mesa tornara a comer peixe; e sendo-lhe dito que como
comia ele carne no dia de sábado, ele Damião de Goes respondera e dissera que o
que entrava pela boca não sujava a alma; e que a isto estava presente ela dona
Catarina. Pelo que requeremos a Vossa Mercê, da parte da Santa Sé Apostólica, e
da nossa pedimos por mercê, que sendo-lhe este presentado, mande vir perante si
a dita dona Catarina, ou ao lugar onde lhe parecer conveniente, e aí a perguntará,
conforme ao estilo do Santo Ofício (maldito), pelo conteúdo na pergunta atrás,
por ser testemunha referida no sobredito. E virá logo ratificada em forma; e o
dito testemunho nos enviará cerrado e selado, por próprio sem suspeita. E isto
se diz passar de catorze anos a esta parte. Dado em Lisboa, sob nossos sinais e
selo do Santo Ofício (maldito), aos onze dias do mês de Julho, João Velho,
notário da Santa Inquisição (maldita) o fez, de 1571. Jorge Gonçalves Ribeiro, Simão Sá Pereira.
Testemunho de dona Catarina Goes
Em o primeiro dia do mês de Agosto de mil e quinhentos e setenta e um
anos, .m Évora, na ermida dos Reis Magos da dita cidade, o senhor licenciado
Jerónimo Sousa, comigo, notário abaixo nomeado, por virtude de um precatório
dos senhores inquisidores da cidade de Lisboa, perguntou dona Catarina, filha
de Damião de Goes, preso no cárcere do Santo Oficio da Inquisição (maldito+maldita) da dita cidade de Lisboa, pelo
conteúdo do dito precatório e, para em todo dizer verdade, lhe foi dado juramento
dos Santos Evangelhos, em que ela pôs sua mão, e prometeu de a dizer. E sendo
perguntada se seu pai, Damião de Goes, tinha uma sobrinha que se chamava dona
Briolanja, disse que sim tinha; e que muitas vezes vinha a casa do dito seu
pai. E, como eram parentes, a dita dona Briolanja se criara com ela testemunha,
em casa do dito seu pai. Perguntada se a dita dona Briolanja comia muitas vezes
em sua casa, disse que sim e que o mesmo fazia ela testemunha, em casa da dita
dona Briolanja». In Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio &
Alvim, 2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT