sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Está Tudo Ligado. O Poder da Música. Daniel Barenboim. «… trezentos anos separam Bach e Boulez, e no entanto ambos criaram mundos que nós, enquanto executantes e ouvintes, tornamos contemporâneos»

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Som  e Pensamento
«(…) Só pelo som se pode articular o conteúdo da música. Como já vimos, qualquer verbalização é, a mera descrição da nossa reacção subjectiva, ou mesmo fortuita, à música. Mas o facto de não se poder articular por palavras o conteúdo da música não significa, evidentemente, que ela não tenha conteúdo; se assim fosse, as execuções musicais seriam totalmente desnecessárias e seria impensável que nos interessássemos por compositores, como Bach, que viveram há séculos. No entanto, nunca devemos deixar de perguntar a nós mesmos qual é exactamente o conteúdo da música, essa substância intangível que só pelo som se pode exprimir. Não se pode defini-la simplesmente como sendo dotada de um conteúdo matemático, poético ou sensual. É tudo isso e muito mais. Tem que ver com a condição humana, na medida em que a música é escrita e executada por seres humanos que exprimem os seus pensamentos, sentimentos, impressões e observações mais íntimos. Isto aplica-se a toda a música, independentemente do período em que os compositores viveram e das óbvias diferenças estilísticas entre eles. Por exemplo: trezentos anos separam Bach e Boulez, e no entanto ambos criaram mundos que nós, enquanto executantes e ouvintes, tornamos contemporâneos. A condição do ser humano pode, evidentemente, ser tão grande ou tão pequena quanto o ser humano queira que ela seja, e o mesmo se pode dizer da própria composição.



O maestro Sergiu Celibidache dizia que a música não se transforma em uma coisa, mas que uma coisa pode transformar-se em música. Queria com isto dizer que a diferença entre som, um som puro ou uma série de sons, e música reside em que, quando fazemos música, todos os elementos têm de se integrar num todo orgânico. Em música não há elementos independentes, o ritmo não é independente da melodia, a melodia não é, evidentemente, independente da harmonia e nem mesmo o tempo é um fenómeno independente. Temos propensão para pensar que, pelo facto de alguns compositores nos darem marcações metronómicas, só precisamos de tentar espremer todas as notas e respectiva expressão de forma a caberem numa determinada velocidade, esquecendo-nos de que o tempo não se ouve, só se ouve a música a uma determinada velocidade. Se o tempo for demasiado rápido, o conteúdo é incompreensível porque o executante não consegue tocar claramente todas as notas ou o ouvinte não consegue apreendê-las; se o tempo for demasiado lento, o conteúdo é igualmente incompreensível porque nem o executante nem o ouvinte conseguem aperceber-se de todas as relações entre as notas». In Daniel Barenboim, Everything is Connected, ThePower of Music, 2007, Está Tudo Ligado. O Poder da Música, Editorial Bizâncio, Lisboa, 2009, ISBN 978-972-53-0434-1.

Cortesia de Bizâncio/JDACT