quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Um Rei Avesso à Política. Fernando II. Maria Antónia Lopes. «Preocupadas com este problema dinástico, dez dias depois da morte do príncipe Augusto, e sem contemplações pelos sentimentos da pequena viúva, as câmaras de deputados e dos pares aprovaram uma petição à rainha para que se iniciassem diligências para um novo casamento»

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Convite para ser rei. A escolha de Fernando Augusto de Coburgo
«(…) Mas esta reunia tão poucas vezes que pouco tempo lhe iria tomar. O príncipe já mostrara ser homem inteligente e ter as artes como a sua maior paixão. Era, pois, uma vida agradável e sem preocupações que se previa para Fernando Coburgo-Koháry. Mas eis que em Setembro de 1835 o seu pai recebe uma proposta de tal forma inesperada e lisonjeira que se assustou. Pediam-lhe o primogénito para marido da rainha de Portugal, D. Maria II. Fernando Jorge Coburgo era um homem muito prudente e tinha razões para não aceitar de imediato um pedido que, embora pudesse transformar o filho em rei, também podia destruir-lhe o futuro. Portugal estava na penúria depois da guerra civil só terminada no ano anterior em Maio de 1834, com e vitória dos partidários de uma monarquia constitucional. Mas esta estava longe de se considerar estabelecida e o novo regime não fora ainda reconhecido por muitas potências, nomeadamente a Áustria. Metternich, com quem Fernando Jorge. Coburgo tinha de manter bom relacionamento, era um adversário das ideias constitucionais, desejando ver o infante Miguel no trono português, pouco se importando com o facto de D. Maria II ser neta do imperador reinante. As simpatias pelo infante D. Miguel estendiam-se à Prússia, país amigo do ducado de Coburgo.
Pedro IV o rei de Portugal que abdicara na filha D. Maria e que se pusera à frente das forças vitoriosas, assumindo depois a regência do reino em nome da pequena rainha, morrera com apenas 35 anos, meses depois da vitória definitiva e do exílio de Miguel. D. Maria fora declarada maior uns dias antes da morte do pai, aos 15 anos, e, sendo vital assegurar a continuidade da dinastia, rapidamente casada com um irmão da madrasta, Augusto de Beauharnais, duque Leuchtenberg, noivo escolhido por Pedro. A escolha desagradou à corte francesa, que não podia ver com bons olhos um neto de Napoleão no trono português. Mas, dois meses após a sua chegada a Portugal, o príncipe Augusto faleceu, em Março de 1835. Levantaram-se distúrbios, houve acusações de assassínio, rumores sobre pessoas interessadas no trono. Se uma doença levasse a rainha, como sucedera ao pai e ao jovem marido, ninguém duvidava de que haveria nova guerra civil. Esclareça-se que as irmãs inteiras de D. Maria eram brasileiras e residiam no Brasil. A sua meia-irmã, D. Maria Amélia (1831-1853), filha de Pedro IV e da segunda mulher, Amélia de Beauharnais, tinha apenas 3 anos e vivia com a mãe em Lisboa, não tendo sido ainda reconhecida como princesa do Brasil. Existiam também duas tias da rainha: a infanta D. Isabel Maria (1801-1876), solteira, que fora regente do reino à morte do pai (João VI), e a infanta D. Ana de Jesus (1806-1857), que nesse ano se separou do marido, o então marquês de Loulé. Destes havia filhos, mas como o casamento da infanta não fora permitido pelo rei, nem Loulé nem os filhos eram considerados membros da família real. Nada disso obviava a que qualquer um destes nomes viesse a ser apoiado na subida ao trono. Existia também, é claro, o candidato mais temível: o infante Miguel, ex-soberano que desde o ano anterior vivia no exílio. Era portanto uma situação muito perigosa. Para complicar ainda mais o cenário, dizia-se ainda que o duque de Palmela planeava casar um filho com a rainha, que pretendia controlar, e que por isso teria envenenado Augusto de Beauharnais.
Preocupadas com este problema dinástico, dez dias depois da morte do príncipe Augusto, e sem contemplações pelos sentimentos da pequena viúva, as câmaras de deputados e dos pares aprovaram uma petição à rainha para que se iniciassem diligências para um novo casamento. A jovem, mal saída da adolescência, já se revelara personalidade enérgica, corajosa e pragmática. Percebeu que não podia adiar esse passo, que ter descendência era de absoluta necessidade e que, para evitar dissensões, o noivo teria de ser estrangeiro. A busca começou de imediato. Francisco Almeida Portugal, conde do Lavradio, foi encarregado de o encontrar e conduzir as negociações, partindo para Londres a 26 de Maio de 1835. Foi ele, plenipotenciário da rainha, que enviou a Fernando Jorge Coburgo a proposta de casamento. Ao sair de Lisboa, Lavradio ia incumbido de negociar o casamento da rainha com o duque de Nemours, segundo filho de Luís Filipe de Orleães, rei dos Franceses. Nemours era de estirpe real, católico, filho de rei constitucional e de um país aliado. D. Maria II, que era sobrinha-neta de Maria Amélia, rainha dos Franceses, convivera com a família Orleães quando residira em Paris, primeiro com o pai e depois ao tempo em que decorria a guerra civil portuguesa. Tornara-se até amiga de Clementina, uma das filhas dos monarcas franceses, com quem manteve correspondência. O duque de Nemours era, pois, o candidato ideal. Contudo, tanto a rainha como o governo sabiam haver fortes possibilidades de um veto inglês. Lavradio estava então incumbido de tentar o casamento com Luís, duque de Nemours, ou com o irmão Francisco, príncipe de Joinville, mas no caso de se revelarem inviáveis, deveria procurar outro noivo. Este teria de perfilhar ideias constitucionais e merecer o aval da Inglaterra e da França, que eram as potências dominantes da Quádrupla Aliança, assinada por esses dois países e por Portugal e Espanha no ano anterior». In Maria Antónia Lopes, D. Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-972-42-4894-3.

Cortesia de CL/JDACT