sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Judeus no 31. Inquisição. Sebastianismo. A Questão Judaica. Maria José Tavares. «A literatura e as pregações, ao minimizarem o povo judaico/converso e ao contraporem o elogio dos cristãos, porque seguidores do verdadeiro Messias, conduziriam à sublimação do recalcamento social da própria minoria…»

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A Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…) Uma razão ou outra, ou ambas, a verdade é que, se os judeus Portugueses sentiram crescer contra si a animadversão declarada do povo miúdo, não tornaram a conhecer acto semelhante. No entanto, o antijudaísmo aumentava no reino e traduzia-se, não só pelas palavras dos procuradores nas cortes, mas também pelas pregações religiosas, onde aqui e além brotavam sentimentos antijudaicos, como ocorreu com mestre Paulo, em Braga, mas sem qualquer consequência de agressões físicas para a comunidade minoritária, excepto o crescimento da insegurança e instabilidade social. Seria já no reinado de João II que estas se declarariam, provocadas pelos diversos surtos de peste, pela fuga para Portugal de conversos castelhanos, acusados de heresia e perseguidos pelo Tribunal da Inquisição (maldito) de Castela, e, por fim, pela expulsão da minoria judaica do reino vizinho e o acolhimento, em Portugal, de uma parte dela. Manifestação de antijudaísmo foi a polémica religiosa. Ao contrário do que sucedeu nos reinos vizinhos, pouco sabemos sobre a controvérsia religiosa e os escritos originais de apologética. De facto, o que conhecemos diz respeito às livrarias dos mosteiros, como o de Alcobaça, onde existia um ou outro manuscrito de polémica religiosa, cópia de obras produzidas em França ou nos reinos peninsulares durante o século XIII.
No entanto, o único texto de apologética e de teor antijudaico, escrito por um português, um judeu de Tavira convertido ao cristianismo, revelava o conhecimento das obras polemistas castelhanas. Segundo Révah, mestre António, físico e afilhado de João II, ao escrever Ajuda da fé, copiava excertos da obra de Jerónimo de Santa Fé, um converso como ele, retirando-lhes a agressividade antijudaica que este manifestara. Mas se o antijudaísmo não se encontrava presente na generalidade das relações quotidianas, ele circulava sub-repticiamente no inconsciente colectivo do povo, traduzindo-se em certas atitudes insultuosas contra os membros da minoria, como, por exemplo, no apodo de cães ou na afirmação da superioridade de qualquer cristão em relação a um judeu. No entanto, seria já nos séculos XVI e XVII que este sentimento alastraria, manifestando-se de uma forma violenta no quotidiano dos portugueses. A literatura e as pregações, ao minimizarem o povo judaico/converso e ao contraporem o elogio dos cristãos, porque seguidores do verdadeiro Messias, conduziriam à sublimação do recalcamento social da própria minoria, através da afirmação de comportamentos de superioridade, bem patentes no domínio do comércio e da medicina e expressos na literatura, na obra de Fernando ou Isaac Cardoso, no século XVII, intitulada As Excelências dos Judeus. A alteridade afirmava-se como um direito, quando a intolerância religiosa procurava reprimi-la.

A economia
A centúria de Quatrocentos apresentou-se economicamente marcada pelas descobertas portuguesas, que dariam a Portugal a oportunidade de, entre 1450-1550, se afirmar como um reino rico. Os judeus portugueses não ignoraram esta realidade, revelando-se, em concorrência com os mercadores cristãos, como os capitalistas por excelência, em sociedades mistas de judeus e cristãos. A agricultura que continuaram a praticar era uma actividade secundária para a maioria deles, que se afirmavam mais como mercadores e almocreves ou artesãos do que propriamente como grandes lavradores. Estes, na sua generalidade, eram proprietários absentistas, como os Negro ou os Abravanel, mercadores/banqueiros de Lisboa e cortesãos. A base da fortuna das gentes da minoria judaica era a riqueza móvel, o dinheiro que tantos protestos provocara nas cortes porque provinha de um trato ilícito, a usura, que conduzia os cristãos, agricultores, à miséria e enriquecia o credor judaico. A movimentação do capital, através dos investimentos diversos, como os empréstimos a juros ou os arrendamentos dos direitos reais, fora uma realidade no século XIV e permanecia uma constante na centúria seguinte, mau grado a animadversão cristã». In História de Portugal, João Medina, volume VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN 972-719-275-0.

Cortesia de Ediclube/JDACT