Renascença Portuguesa
e a Guerra. O projecto cultural da
Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Concretização
do sonho
«(…) Cortesão, nas palavras que dirige a Raul
Proença, defende que a Associação, de carácter
secreto, oriente a sua acção por meio de um programa e de um regulamento
interno. Sugere que seja Raul Proença a elaborar o primeiro desses documentos,
tendo em conta a profunda amizade e reconhecimento das suas competências e,
talvez a partilha do mesmo idealismo optimista e a comunhão em torno de um
mesmo conceito de revolução. Embora declare a sua preferência, não deixa de sugerir
algumas directrizes: ao programa deveria presidir uma orientação idealista, um largo
espírito de tolerância, uma
fundamentação rigorosa e a imposição de altos deveres a todos os associados.
Cortesão revela, pela correspondência a que temos feito referência, que procurou
desempenhar no seio deste projecto uma posição conciliadora para que as
divergências latentes e as singularidades do pensamento e acção enriquecessem o
projecto, ao invés de desvirtuarem o principal objectivo de toda a acção a
empreender. Segundo o Poeta-historiador essa missão teria sido cumprida
até porque o pensamento orgânico da Renascença correspondia a uma aspiração da consciência colectiva e as
acções que desencadearam, nos anos seguintes à sua fundação, teriam sido
marcadas pela unidade e coerência íntima
das manifestações espirituais, vindas de várias personalidades e sectores
alheios ao grupo mais combativo da Renascença propriamente dita. Estas palavras
confirmam que o idealista, que vagueou durante quarenta anos pelo mundo real,
mantém o mesmo vigor e a mesma capacidade de sonhar e acreditar nas possibilidades
de criar, consensualizar, regenerar, construir.
A Renascença congregou vontades e
ideais num objectivo comum e procurou tornar-se
a consciência activa dum fenómeno social de ressurgimento, mas nem sempre a
unanimidade foi conseguida. A explicação talvez resida no facto deste movimento
integrar elementos de tendências diversas e diferentes formas de pensamento e
estratégias de acção que mais tarde acabaram por provocar o afastamento dos que
enveredaram por caminhos diversos. O próprio Cortesão o reconhece lembrando os
representantes de uma ala de renascentes
que se opunham ao ideal literário, político ou filosófico do saudosismo, António
Sérgio e Raul Proença. Para além disso, a preferência de Cortesão
por Proença para a redacção do programa e as considerações em torno da direcção
da revista A Águia denunciam também a existência de clivagens desde a definição
do programa do movimento. Embora expressando diversas vezes admiração pelo poeta
do Saudosismo, e sendo por ele muito influenciado, Cortesão procurou
delinear um sentido de voo singular e liberto do pensamento filosófico de Pascoaes,
divergindo mais tarde deste em relação a considerar o estrangeirismo como
factor de decadência. Na análise retrospectiva do movimento, ao fazer
referência a Sérgio e Proença, que defendiam uma reforma mais vasta da mentalidade
portuguesa, Cortesão acaba por concluir que nação
alguma pode viver perpétua e exclusivamente sobre tradições próprias; e que a
assimilação de valores culturais estranhos representa, na maioria dos casos, um
acto de saúde e rejuvenescimento indispensável. No entanto, na fase inicial
da Renascença, Cortesão anunciava a sua obra
patriótica perpassada por um misto de idealismo vitalista e espiritualismo,
concebida por uma legião de homens
fortes e serenos, de olhos postos num ideal de pura Beleza. Assim, como
após a Batalha de Aljubarrota o monarca João I mandou erguer o Mosteiro da
Batalha e, depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia, o rei Manuel I
ergueu os Jerónimos, também depois de implantada a República, um grupo de
Artistas pretendia erguer com as suas
obras a nova catedral da Raça. Pretendia-se erguer um monumento
espiritual de forma a coroar a Revolução
de Beleza, já que a não souberam coroar de Justiça!» In Elisa
Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio,
Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra
adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.
Cortesia de Edições ASA/JDACT