Liberdade.
A fé dos homens é ainda na liberdade
«(…)
Estão vivos noventa por cento dos sábios com que contou a Humanidade desde o
início da sua História, dispõem de meios que em outras épocas nem ousariam
sonhar-se; as descobertas que se fazem, incluindo as que estão ligadas às
viagens espaciais, contra as quais tanta gente está, exactamente como esteve
contra as portuguesas o Velho de Os Lusíadas, permitiriam já hoje um
paraíso de abundância e segurança sobre o mundo, se fosse tão fácil porem os
homens o seu temperamento de acordo com a sua inteligência como lhes é fácil
fazer obedecer à sua inteligência as forças adormecidas do universo físico;
adormecidas no adormecimento em que a Bela esperava seu Príncipe; e caminhando
para a mesma íntima fusão. Todas as esperanças nos são abertas; os avanços tecnológicos
estão ao nosso dispor e para o único fim em que serão úteis, para nos darem
tempo livre; talvez, durante alguns séculos ainda, tempo livre para criarmos
matemática ou poesia ou pintura; depois, tempo livre já mais certo, que é o de
vermos a matemática ou a poesia e a pintura como existindo no mundo à volta com
mais plenitude do que em nossas equações, versos e quadros, dispensando a
existência dos artistas, que terão sido apenas meios de comunicação da beleza
para quem ainda não podia ver directamente; e afinal, na idade melhor, sendo
nós próprios matemática, poesia e pintura, vivendo arte e ciência, e, por
viver, as criando; este é o tempo livre que Deus tem: vive, e o mundo é; vive o
mundo, e Ele é; o qual Deus nos quer à sua imagem e semelhança, como nós o
temos querido à nossa; quando as duas vontades se encontrarem, e só então,
haverá Paraíso». In Educação de Portugal
As
liberdades essenciais
«As
liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de
organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao
máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio,
ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social,
o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando,
em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for
alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é
como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor
dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela
liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu
espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe
de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém
deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar,
pôr em perigo a sua liberdade de espírito ou a liberdade de espírito dos
outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá
nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo, nenhuma propriedade. A
tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos». In Doutrina
Cristã.
In
Agostinho da Silva, Citações e Pensamentos, O Homem não Nasceu para Trabalhar,
Nasceu para Criar, Casa das Letras, Alfragide, 2009, ISBN 978-972-46-1922-4.
Cortesia
de Casa das Letras/JDACT