Como se conhece o futuro? Uma teoria da prospectiva. Da Adivinhação ao
Conhecimento
«(…) É o esquema básico de uma sociedade tradicional, que
procura neutralizar o carácter aberto do futuro tentando concebê-lo como mera
continuação do presente. Mas o imprevisível acaba sempre por aparecer, e é
preciso um novo processo de defesa. Uma sociedade arcaica não o pode conceber
senão como um destino que já estava escrito mas que simplesmente não era
conhecido. É este dispositivo que se encontra por trás de todos os outros aos
quais se confiava a possibilidade de descobrir os segredos do destino e de
entrar em contacto com um âmbito que se prolongava para lá do presente:
profecias, adivinhações, vaticínios, oráculos e visionários não eram senão
fontes de conhecimento privilegiado. Para todos eles, o futuro era uma realidade
preexistente, ou seja, não era futuro no sentido em que nós o entendemos, como
espaço aberto à nossa liberdade. Para os antigos o futuro já existia e todo o
esforço humano devia orientar-se para a aquisição da prerrogativa de
adivinhá-lo, descobri-lo e contá-lo. O esforço de intervenção no futuro só
podia ser entendido como a tentativa de modificar um destino preexistente. As
sociedades modernas rebelam-se contra essa forma de fatalidade em duas
dimensões: contra a ideia de o futuro ser uma realidade que já existe e contra
a fatalidade de um destino inexorável no qual não se pode intervir. A
modernidade é uma reivindicação do futuro como tal, isto é, como humanamente
configurável, aberto e indeterminado, como um âmbito de potencialidade, um
espaço vazio que espera ser colonizado, desenhado e configurado pelos nossos
desejos. A exploração do futuro não é feita para descrever um destino inexorável,
mas para alcançar qualquer coisa. O futuro é uma especulação sobre o possível e
não o conhecimento do que necessariamente irá acontecer.
É deste espírito que surge a moderna indagação acerca do
futuro nas suas diversas formas, da prospectiva às predições científicas, à previsão
económica ou à planificação política. Em nenhum dos casos se procura adivinhá-lo
ou prescrevê-lo, mas sim dar-lhe um porvir: construir uma representação do
futuro desejável a partir da observação dos futuros possíveis. O futuro aberto
é, como o espaço, um âmbito sujeito a projecto, planificação, gestão e regulação.
Há especialistas nisso: não como os visionários tradicionais, que prediziam o
que ia acontecer, mas peritos na observação do presente para a produção do
futuro desejado. A partir de então as coisas tornaram-se mais complexas. O
mundo moderno foi um mundo de partes e todos que actuavam ao longo de cadeias
lineares de causas e efeitos numa atmosfera de simplicidade mecanicista. Nesta
visão do mundo, a prospectiva era uma metáfora poderosa para a antevisão não só
da realidade física mas também dos processos sociais e organizativos. Hoje não
entendemos o futuro como uma evolução necessária mas como uma complexa cadeia de
acontecimentos de vária significação que só podemos antever por meio de indagações
sobre o verosímil e o possível. Necessitamos de entender os dilemas
provenientes da nossa enorme capacidade de condicionar o futuro, uma capacidade
que não vem acompanhada pela correspondente habilitação quando queremos
conhecer o que de tudo isso pode resultar. Ao contrário do esquema clássico que
estava na base do espírito planificador, o nosso conhecimento alcança menos do
que a nossa acção.
Dado que nem as sociedades modernas nem muito menos as actuais
entendem o novo como reposição do antigo mas como algo radicalmente desconhecido,
como inovação, a abertura para o futuro significa inevitavelmente insegurança.
O futuro não seria futuro se soubéssemos o que ele nos viria trazer. Por isso
ele se converteu para nós num campo de projecção de esperanças e medos de todos
os tipos, no verdadeiro cenário de batalha. É por este motivo que o campo do social
está povoado de referências ao futuro, positivas como a esperança ou negativas
como o medo, que não são fáceis de gerir e nas quais se revela a estrutura
básica da nossa estrutura projectiva». In
Daniel Innerarity, El
Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN
978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT