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A inutilidade da crítica
«Que a obra de boa qualidade sempre se destaca é uma afirmação
sem valor, se aplicada a uma obra de qualidade realmente boa e se por destaca quer-se fazer referência à
aceitação na sua própria época. Que a obra de boa qualidade sempre se destaca,
no curso de sua futuridade, é verdadeiro; que a obra de boa qualidade, mas de segunda
ordem, sempre se destaca na sua própria época é também verdadeiro. Pois como há-de um crítico julgar?
Quais as qualidades que formam, não o incidental, mas o crítico competente? Um conhecimento da arte e da
literatura do passado, um gosto refinado por esse conhecimento e um espírito
judicioso e imparcial. Qualquer coisa menos do que isto é fatal ao verdadeiro
jogo das faculdades críticas. Qualquer coisa mais do que isto é já espírito criativo
e, portanto, individualidade; e individualidade significa egocentrismo
e certa impermeabilidade ao trabalho alheio.
Quão competente é,
porém, o crítico competente? Suponhamos que uma obra de arte
profundamente original surja diante dos seus olhos. Como a julga ele? Comparando-a com as obras de arte do
passado. Se for original, porém afastar-se-á em alguma coisa, e quanto mais
original mais se afastará, das obras de arte do passado. Na medida em que o fizer,
parecerá não se conformar com o cânone estético que o crítico encontra firmado
no seu pensamento. E se a sua originalidade, em vez de jazer num afastamento
daqueles velhos padrões, encontra-se num uso deles em linhas mais rigorosamente
construtivas, como Milton usou os antigos, aceitará o crítico esse melhoramento
como melhoramento, ou como imitação o
uso daqueles padrões? Verá mais o construtor do que o utilizador de materiais de construção?
Porque deveria ele fazer uma coisa em
vez de a coisa melhor? É, de todos os elementos, a construtividade o
mais difícil de determinar numa obra... Uma fusão de elementos do passado: verá o critico a fusão dos elementos?»
In
Fernando Pessoa, ‘Ideias
Estéticas’
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