domingo, 2 de novembro de 2014

Judeus. Inquisição. Sebastianismo. A Questão Judaica. Maria José Tavares. «Raramente o judeu era um homem de um só ofício, pois juntava à produção oficinal a venda directa na loja ou na tenda ou a venda ambulante. A estas acrescia ainda o empréstimo monetário a juro ou os lanços nas rendas»

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A Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…) Mas o Portugal de Quatrocentos aparecia aos membros da minoria como um lugar apetecível, pela paz que lhes oferecia e pelas novas hipóteses de riqueza que manifestava. O capital, que sabiam manobrar com mestria, era agora investido numa agricultura lucrativa e exportadora, como o azeite, na região escalabitana, ou o açúcar, na ilha da Madeira, ou num comércio euro-africano, onde os monopólios da coroa eram objecto de arrendamento constante por parte destas sociedades de capitalistas judeus, associados ou não a italianos e flamengos. Desde cedo, eles foram os mentores e os praticantes do capitalismo comercial português, irradiando da concorrência os mercadores cristãos portugueses, potencialmente mais fracos. Mas só uma minoria de judeus cortesãos ou servidores da coroa tinha capacidade económica para se abalançar nas rendas dos monopólios ou dos diversos impostos e direitos régios, ou no comércio internacional, marítimo e terrestre.
Estes, só indirectamente praticavam o comércio a retalho, dedicando-se sobretudo ao trato por grosso, que exigia maior quantidade de dinheiro em movimento. Constituíam, com outros menos poderosos, o grupo dos grandes mercadores que frequentavam, não só as feiras nacionais, mas principalmente as da Península e que, por vezes, se abalançavam também num comércio marítimo com a Europa mediterrânica e central e com as terras de mouros. A grande maioria integrava-se num comércio local e regional quer como almocreves, quer como pequenos negociantes que percorriam as diversas feiras regionais, vendendo e comprando, enquanto, em casa, o resto da família mantinha aberta a loja ou a tenda, inseridas no pequeno comércio da localidade onde habitavam, e frequentadas por judeus e cristãos. Por vezes, estas lojas e tendas extravasavam o espaço da judiaria e abriam-se na praça grande ou na Rua Direita da zona cristã.
Uma parte importante da população judaica dedicava-se à produção e venda de artigos por si manufacturados, em lojas/oficinas, onde o trabalho familiar era a grande realidade. Numa hierarquia onde os aprendizes se misturavam com os obreiros assalariados e os mestres da obra, o trabalho feminino não era descurado. Mulher e mãe, a judia era também a tecedeira têxtil ou a fiadeira de seda, ou a vendedora na loja/tenda, integrada na produção familiar, encabeçada pelo homem, ou com capacidade económica autónoma deste. Não raro, a mulher se dedicava também ao empréstimo a dinheiro, à gerência da tenda, durante a frequente ausência do marido e dos filhos maiores. Como artesãos dedicavam-se ao trabalho dos metais nobres ou não, à produção e transformação dos tecidos, ao fabrico de mantas, ao trabalho das peles, ao fabrico de sapatos ou a artes como a iluminura. No entanto, ofícios havia que eles não praticavam, como a olaria ou o trabalho dos vimes e do esparto, mais característicos da minoria moura. Raramente o judeu era um homem de um só ofício, pois juntava à produção oficinal a venda directa na loja ou na tenda ou a venda ambulante. A estas acrescia ainda o empréstimo monetário a juro ou os lanços nas rendas. Outros eram médicos e mercadores; ou lavradores e mercadores.

A cultura
Junto à sinagoga, ou nela, funcionava, na comuna, a escola ou Bet-hamidrash, onde as crianças aprendiam a ler e a escrever o hebraico e o português. A primeira era a língua religiosa e do direito talmúdico; mas deixara de ser a dos actos oficiais escritos, desde o início do século XV. O rei João I exigiria que, nestes, os judeus usassem obrigatoriamente o português». In História de Portugal, João Medina, volume VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN 972-719-275-0.

Cortesia de Ediclube/JDACT