A
Questão Judaica (séculos XV-XX). Os Judeus em Portugal no século XV
Cristãos e judeus: o antijudaísmo
«(…)
Mas o Portugal de Quatrocentos aparecia aos membros da minoria como um lugar
apetecível, pela paz que lhes oferecia e pelas novas hipóteses de riqueza que
manifestava. O capital, que sabiam manobrar com mestria, era agora investido
numa agricultura lucrativa e exportadora, como o azeite, na região
escalabitana, ou o açúcar, na ilha da Madeira, ou num comércio euro-africano,
onde os monopólios da coroa eram objecto de arrendamento constante por parte
destas sociedades de capitalistas judeus, associados ou não a italianos e
flamengos. Desde cedo, eles foram os mentores e os praticantes do capitalismo comercial
português, irradiando da concorrência os mercadores cristãos portugueses,
potencialmente mais fracos. Mas só uma minoria de judeus cortesãos ou
servidores da coroa tinha capacidade económica para se abalançar nas rendas dos
monopólios ou dos diversos impostos e direitos régios, ou no comércio
internacional, marítimo e terrestre.
Estes,
só indirectamente praticavam o comércio a retalho, dedicando-se sobretudo ao
trato por grosso, que exigia maior quantidade de dinheiro em movimento.
Constituíam, com outros menos poderosos, o grupo dos grandes mercadores que frequentavam,
não só as feiras nacionais, mas principalmente as da Península e que, por
vezes, se abalançavam também num comércio marítimo com a Europa mediterrânica e
central e com as terras de mouros. A grande maioria integrava-se num comércio
local e regional quer como almocreves, quer como pequenos negociantes que percorriam
as diversas feiras regionais, vendendo e comprando, enquanto, em casa, o resto
da família mantinha aberta a loja ou a tenda, inseridas no pequeno comércio da
localidade onde habitavam, e frequentadas por judeus e cristãos. Por vezes,
estas lojas e tendas extravasavam o espaço da judiaria e abriam-se na praça
grande ou na Rua Direita da zona cristã.
Uma
parte importante da população judaica dedicava-se à produção e venda de artigos
por si manufacturados, em lojas/oficinas, onde o trabalho familiar era a grande
realidade. Numa hierarquia onde os aprendizes se misturavam com os obreiros
assalariados e os mestres da obra, o trabalho feminino não era descurado.
Mulher e mãe, a judia era também a tecedeira têxtil ou a fiadeira de seda, ou a
vendedora na loja/tenda, integrada na produção familiar, encabeçada pelo homem,
ou com capacidade económica autónoma deste. Não raro, a mulher se dedicava
também ao empréstimo a dinheiro, à gerência da tenda, durante a frequente
ausência do marido e dos filhos maiores. Como artesãos dedicavam-se ao trabalho
dos metais nobres ou não, à produção e transformação dos tecidos, ao fabrico de
mantas, ao trabalho das peles, ao fabrico de sapatos ou a artes como a
iluminura. No entanto, ofícios havia que eles não praticavam, como a olaria ou
o trabalho dos vimes e do esparto, mais característicos da minoria moura. Raramente
o judeu era um homem de um só ofício, pois juntava à produção oficinal a venda
directa na loja ou na tenda ou a venda ambulante. A estas acrescia ainda o
empréstimo monetário a juro ou os lanços nas rendas. Outros eram médicos e
mercadores; ou lavradores e mercadores.
A
cultura
Junto
à sinagoga, ou nela, funcionava, na comuna, a escola ou Bet-hamidrash, onde as crianças aprendiam a ler e a escrever
o hebraico e o português. A primeira era a língua religiosa e do direito
talmúdico; mas deixara de ser a dos actos oficiais escritos, desde o início do
século XV. O rei João I exigiria que, nestes, os judeus usassem
obrigatoriamente o português». In História de Portugal, João Medina, volume
VII, Judeus, Inquisição e Sebastianismo, Maria José Pimenta Ferro Tavares, A
Questão Judaica, SAPE, Ediclube, Alfragide, Mateu Cromo, Madrid, 2004, ISBN
972-719-275-0.
Cortesia
de Ediclube/JDACT