«Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a
eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem
passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho
perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando. Estás sentado,
Gherardo, mas os teus pés estão assentes no solo com a inquietação de quem
experimenta o caminho». In Marguerite Yourcenar, ‘O Tempo
esse grande escultor’
Introdução
«Esta
tese pretende ser um estudo sobre o projecto de criação de um Serviço
Meteorológico Internacional nos Açores, no final do século XIX. Certo é que não
passou de um projecto, mas o que lhe mantém o interesse enquanto objecto de
investigação histórica é o estudo do seu enquadramento no processo de
desenvolvimento internacional da meteorologia científica e a avaliação da sua
herança institucional interna. De facto, o projectado Serviço Meteorológico
Internacional dos Açores, foi uma versão reelaborada, na última década do
século XIX, de uma antiga aspiração dos estudiosos da meteorologia na Europa, a obtenção de dados observacionais dos
fenómenos atmosféricos no coração do Atlântico. Mas, todo o processo de
preparação e de promoção internacional do projecto teve o efeito de demonstrar
ao poder político nacional que a prática da meteorologia nos Açores não era
apenas uma questão científica, mas era também uma questão de Estado. Ao mesmo
tempo que tornava visível, a nível interno, e com importância acrescida no
plano internacional, a figura de um militar meteorologista de mérito, Francisco
Afonso Chaves. Criar nos Açores uma instituição meteorológica com
credibilidade científica internacional tornou-se, em 1900, um imperativo nacional e, assim, em última análise, esta tese
acaba por ser o estudo da génese do Serviço Meteorológico dos Açores, criado
pelo governo português em 1901, na
sequência de um projecto internacional, apresentado pela primeira vez na Conference
Internationale des Sciences Géographiques pelo Príncipe Albert I do
Mónaco, em Paris, no ano de 1889. Este
tema nunca foi anteriormente objecto de um programa de investigação histórica.
O projectado Serviço Meteorológico Internacional dos Açores aparece referido em
alguns estudos dedicados à vida e obra do coronel Afonso Chave e noutros
referentes ao príncipe Albert I do Mónaco, o promotor e patrono deste projecto
internacional. No entanto, nesses trabalhos, a génese do projecto e o seu
enquadramento no estádio de evolução da meteorologia não são tratados, nem
abordados os diferentes contextos políticos que o condicionaram. Nunca se
explica também a diferença de natureza e de dimensão entre o primeiro projecto,
pensado para ter financiamento e participação científica internacionais, e o
subsequente Serviço Meteorológico dos Açores, de responsabilidade
exclusivamente nacional. À ausência de razões para a mudança, junta-se uma
espécie de equívoco histórico geralmente adoptado pela sociedade e pelo poder
da época e que acabou por perpetuar a ideia de que o Serviço Meteorológico dos
Açores fora uma concretização nacional do projecto lançado pelo príncipe Albert
I do Mónaco. No entanto, há uma publicação, que é uma fonte crucial deste
trabalho, que não deixa margem para dúvidas. O Rapport sur
l’établissement projeté du Service Météorologique International des Açores,
da autoria de Afonso Chaves, apresenta e fundamenta a organização de um
serviço meteorológico dotado de observatórios em quatro ilhas do arquipélago e
com uma diversidade e dimensão de estudos e de colaboração internacional que só
remotamente se pode comparar com o que de facto veio a ser o Serviço
Meteorológico dos Açores. E se esta fonte, impressa em 1900 no principado do Mónaco, esteve sempre disponível para a
investigação histórica, o mesmo não se pode dizer de outras fontes que só agora
puderam ser escrutinadas e interrogadas.
A
elaboração desta tese assenta num vasto trabalho de pesquisa de fontes
primárias. Vários arquivos e acervos documentais foram pesquisados. Diga-se, de
passagem, que nem sempre com o sucesso esperado. Mas, por vezes, também, com
algumas surpresas gratificantes. De todas as fontes manuscritas há, porém, dois
conjuntos fundamentais, a que é necessário dar o devido destaque: o espólio
particular do coronel Afonso Chaves e o espólio do Observatório Meteorológico
do Infante D. Luiz. O primeiro foi o verdadeiro ponto de partida desta
tese; o segundo, foi localizado in extremis, quando já estava
dado como perdido para este trabalho. Ambos contêm os mais importantes
testemunhos coligidos nesta pesquisa sobre o projectado Serviço Meteorológico
Internacional, sobre a criação do Serviço Meteorológico dos Açores e sobre a
relação hierárquica entre o Observatório do Infante D. Luiz e o Posto
Meteorológico de Ponta Delgada, entre 1893 e 1901. No que respeita a esta
relação institucional, há a registar que ambos os espólios evidenciam também
lacunas importantes e difíceis de interpretar, mas que outras fontes poderão
ajudar, no futuro, a esclarecer. De facto, no espólio de Afonso Chaves não
existe correspondência trocada com o contra-almirante Brito Capelo, director do
Observatório do Infante D. Luiz, na época a que se reporta o processo de
tentativa de criação do Serviço Meteorológico Internacional dos Açores.
Existem, no entanto, vestígios de que essas cartas existiram, não só através da
localização indevida de uma de Brito Capelo, num maço de um outro
correspondente, como pela clara alusão que Afonso Chaves faz, noutras cartas,
às enviadas para o seu superior hierárquico. No espólio do Observatório do
Infante D. Luiz encontram-se algumas significativas cartas de Afonso Chaves
e alguns rascunhos de respostas de Brito Capelo, mas apenas entre a nomeação do
primeiro para director do posto de Ponta Delgada (1893) e meados do ano seguinte. Apesar destas misteriosas
lacunas, ambos os espólios são riquíssimos repositórios documentais do papel
desempenhado pelos observatórios de Lisboa e dos Açores na cooperação
meteorológica internacional». In Maria da Conceição Silva Tavares, Viagens e Diálogos Epistolares
na Construção Científica do Mundo Atlântico, Albert I do Mónaco (1848-1922),
Afonso Chaves (1857-1926) e a Meteorologia nos Açores, Tese de Mestrado em
História e Filosofia das Ciências, Universidade de Lisboa, Faculdade de
Ciências, 2007.
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