«Esta noite, no final do terceiro dia dos Jogos Palatinos,
começo a escrever o que será a minha história e a da minha família, e os meus
olhos estão horrorizados. Britânico morreu. Morreu esta mesma noite, durante o
jantar que marcava o encerramento dos jogos. Vi-o, sentado com os outros jovens
e com as mulheres, bastante perto de mim. Pediu de beber. Não sei o que se
passou, ao certo. Levou uma taça à boca, e depois rejeitou-a. Um servo, um novo
que não conheço, acorreu com um jarro, deitou água na taça e Britânico, por
fim, bebeu. Então, o seu corpo ficou de imediato completamente hirto. Pensei
que se quisesse levantar, mas ele não concluiu o seu gesto. Voltou a cair,
inerte e já inconsciente. Em torno dele, as pessoas deram a impressão de se
apressarem. Um olhar de Nero, mais forte do que uma ordem, imobilizou toda a
gente nos seus lugares. Dois dos servos pessoais de Britânico avançaram e, com
o consentimento do príncipe, que lhes dirigiu um gesto, levantaram o que já era
um cadáver. Ninguém ousava falar. Nero, por fim, rompeu o silêncio e lembrou
que o seu irmão costumava ter crises de epilepsia, que então desmaiava, como esta
noite, mas que não tardaria a voltar a si. A mesma doença, acrescentava ele,
não impedira o seu pai, Cláudio, de viver até uma idade muito avançada. Vi
então o seu olhar passar sobre mim, por um breve instante, e compreendi tudo.
Eu sabia que Britânico estava morto. Nero jamais pensou que eu pudesse deixar-me
enganar. E avisava-me. A alusão à morte de Cláudio era clara. Britânico também
fora envenenado. Se eu matara o pai, não
teria Nero o direito de fazer desaparecer o filho? A jogada era a
mesma. Tomar ou conservar o poder, aquela omnipotência que pertencera a
Cláudio, que pertencia agora a Nero e que eu, sua mãe, a quem ele a devia,
podia disputar também agora.
O jantar terminou como se nada tivesse acontecido. Eu não queria
mostrar que tinha compreendido, mas é provável que a expressão do meu rosto me
tenha traído. Cometi igualmente o erro de olhar para Octávia que estava
presente, como convém à esposa do príncipe. Ela mantivera-se impassível, sem
deixar transparecer qualquer sentimento. Mas também ela, decerto, compreendera.
Nero tinha visto o meu olhar. Terei eu, ao dirigir os meus olhos para ela
deixado transparecer o temor que senti
pela filha de Cláudio? Octávia era uma refém. Nero não hesitaria em fazê-la
desaparecer, como fizera com o seu irmão. Perguntei, então, a mim mesma, que
motivo teria para acrescentar um crime ao outro. Octávia não era para ele uma ameaça.
Antes pelo contrário, ela era uma das razões que faziam dele um imperador
legítimo, filho e genro de Cláudio. Não, Octávia era demasiado preciosa para
ele a sacrificar. A menos que...?
Mas não ousei ir mais longe nestes terríveis pensamentos. Todavia, a verdade
impunha-se, o que eu estava a querer dizer era: a menos que uma outra paixão,
que não a do poder, se apodere dele. Caberia a mim zelar para que isso não
acontecesse.
Mas por quanto tempo poderei
eu própria fazê-lo? Há já muitos anos que me sabia condenada a morrer,
a morrer por ele. Como esquecer o dia em que Balbilo, o filho de Trasilo, que não
era pior astrólogo do que o seu pai, me revelou, como um desafio, que Nero reinaria e que mataria a sua mãe?
Respondi-lhe sem hesitar: Que me mate,
desde que reine! Talvez estivesse próxima do momento em que a segunda parte
da profecia se cumprirá. Na liteira que me conduzia a casa, perguntava a mim
mesma: estaria eu, de facto, assim tão resignada como pretendia fazer parecer, há já mais de vinte anos? Estaria eu preparada para morrer?
Mas, não haveria outra saída?
Talvez os destinos não sejam implacáveis; talvez sejamos pouco hábeis para os
interpretar. Os oráculos aparentemente mais evidentes deixam lugar para
escapatórias.
Chegada a casa, e depois das servas terem terminado os mil
cuidados que acompanham todos os dias o meu recolhimento, tomei a decisão de
começar estas memórias. Tenho muitas recordações, conheço demasiados segredos
para deixar que tudo isso pereça. E depois, quero justificar-me, dizer a minha
verdade, prestar justiça aos que me rodearam ou cuja imagem acompanhou toda a
minha existência, ouvir de novo as suas vozes. Sei que alguns fizeram nascer
ódios violentos e que em Roma não se é meigo para com a sua recordação. Mas que
tenho eu com o que pensam os outros, com os que não sabem, que jamais
conheceram essas violências da alma, inseparáveis daquilo que somos, nós, a
quem os deuses dão a tarefa de reinar! Tais arrebatamentos podem muito bem ser comprados
ao preço da morte». In Pierre Grimal, Memórias de Agripina, Lyon Edições, Romances
Históricos, 2000, ISBN 972-8461-51-8.
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