História
dum manuscrito quase ignorado durante mais de três séculos. Relação da cidade
de Portalegre e de como foi levantada por cidade pelo muito cristianíssimo rei
Dom João triceiro e Dona Catherina sua molher, reis de Portugal
«(…)
As terras que naquele tempo tinham nome de município eram terras priviligiadas
pelos romanos, como o divia ser esta Ammaia,
pois tinha nome de município, como terra de que os romanos faziam muita conta.
E deste litreiro se pode coligir que esta terra foi já em tempos antigos
florecente e tinha privilégio romano. Suposto que outros querem dizer que a
cidade de que atrás falamos, chamada Medóbriga, se chamava naquele tempo Ammaia, e que este pé de coluna
siria trazido daí, quando se edificou aquele templo onde ora está, como também
veio outra muita pedraria pera com ela se edificar a santa sé desta cidade e o
musteiro insigne da Virgem Nossa Senhora da Conceição da ordem do milífluo padre
Sam Bernardo. Mas esta rezão não satisfaz, porque o André de Reisende, no
primeiro livro De Antiquitatibus Lusitaniae, falando do Monte Hermínio, afirma
chamar-se aquela cidade Medóbriga, cujas palavras, tiradas fielmente do latim em
nosso português, dizem assi: Eu mostrei
já, tempos há, em üa carta que escrevi a Manoel Sousa, alcaide-mor da vila de
Arronches, homem nobre e bem entendido, e depois a João Vazeu, como a cidade de
Portalegre, Arronches, Alegrete, Marvão e outros lugares de nome estão situados
no circuito e redondeza do Monte Hermínio, e junto a ele parecem ainda hoje as
ruinas da cidade de Medóbriga, perto da vila de Marvão, o qual monte é mui alto
por extremo. E ainda hoje se conserva o nome antigo de Monte Hermínio, e também
a cidade distruída se chama vulgarmente Aramenha, dirivada do monte a
que está sujeita. Havia pelo circuito e pelas faldas deste monte muitas minas
de chumbo, onde ainda agora se vêem muitas furnas e covas de donde os moradores
da terra o tiiravam, e também se achava algum ouro. De maneira que, com muita
rezão, chamou Plínio aos de Medóbriga chumbeiros. Até aqui é de Reisende.
Diz
mais que dista esta cidade da cidade de Mérida sessenta e quatro mil passos,
que são 16 léguas medidas das nossas de Espanha. Foi esta cidade mui célebre entre
as da nossa Lusitânia, e muito grande, como suas ruinas o mostram, e muito
rica. Nela parece ainda hoje üa porta inteira, defronte da qual estava üa ponte
que eu ainda vi em pé, muito forte, onde ainda se parece o lastro que nunca o
rio o pôde desfazer. Foi dirrubada e disfeita por cobiça de se dizer que
furtavam por ela os direitos das mercadorias que passavam pera o reinode
Castela. Em seu lugar se fez outra mais abaixo, sobre o mesmo rio, onde está üa
torre que está mais abaixo da cidade, que se chama a Portagem.
Ali
custumavam risidir os guardas do reino e se despachavam os direitos d’el-rei.
Estão também em pé, nesta cidade de Medóbriga, uns edifícios que dizem servirem
de capitólio ou consistório, que nunca com as injúrias dos tempos puderam ser
arruinados. Teve esta cidade rei em tempos que os romanos senhoreavam a Espanha.
Um se chamou Catélio e sua molher se chamava Cálgia, da qual
nasceram nove filhas, todas de um ventre; que, enfadada sua mãe com tantas
filhas, como era gintia, as mandou deitar no rio por üa criada sua que,
compadecida da piadade natural, que faltara na mãi que as havia parido, as deu
a criar em um bairrio onde vivia gente cristã, e foram baptizadas e instruídas
em nossa santa fé católica. Foram depois santas e mártires; os nomes destas
santas traz o Martirotógio Romano, e são os siguintes: Genebra, Liberata, Vitória,
Eumélia, Germana, Márcia,
Basília, Quitéria, Gema;
as quais todas foram martirizadas em diversas partes. Afirma frei Bernardo Brito
(liv. 5, cap. 18) que eram estas infantas portuguesas filhas de um rei de Lusitânia,
que era senhor de üa cidade que caía por estas comarcas antre Alcântara e
Portalegre, de que o bispo de Girona afirma ser a segunda de Espanha. Nos Comentários
de Jútio César se lê que foi destruída por Cássio Longino, capitão
romano, e que os moradores dela se recolheram ao monte Hermínio de quem atrás fica
dito». In Diogo Pereira Sotto Maior, Tratado da Cidade de Portalegre, Temas
Portugueses, INCM, CMP, Gráfica Maiadouro, Vila da Maia, 1984.
Cortesia
de INCM/CMP/JDACT