Violência
A
escolha de Alba
«(…)
Saiu a cavalo, de casaca branca e azul (as cores do brasão dos Toledo). Até o
duque de Alba (Fernando Álvarez de Toledo,
terceiro duque de Alba) estar disposto a encabeçar o seu exército a caminho de
Lisboa, por volta de finais de Junho de 1580,
decorreram vários meses de preparativos intensos. A naturalidade com que hoje
enquadramos a sua figura à frente da conquista de Portugal desafia alguns
pontos estabelecidos pela historiografia. Os motivos pelos quais se escolheu
Alba para aquela difícil campanha não têm relação directa com a sua alegada
experiência militar, certamente incontestável, mas antes com a mensagem de
autoridade e terror transmitida pela sua figura. Entre 1566 e 1580, ou seja,
durante os anos anteriores à sua actuação em Portugal, Alba tornara-se um ícone
apocalíptico para muitos europeus, seguramente para sua mágoa. As gravuras em
que era representado a exercer justiça
com um aspecto diabólico ou que ridicularizavam a estátua de herói que ele
próprio mandara erigir em Antuérpia corriam por vários países.
Devido
à repressão que Filipe II lhe ordenara que impusesse nos Países Baixos, o
período que ali passou como governador-geral, entre 1567 e 1573, vinculou-o
para sempre ao pior da lenda negra anti-espanhola. Senhor da fúria e da
vingança, impiedoso e cruel, as suas tropas perpetraram pilhagens indiscriminadas
contra cidades que se haviam rendido e, pior ainda, sem qualquer respeito pelas
tradições do código humanitário da guerra. As execuções em massa (incluindo
mulheres e crianças) que, pelo menos sob a sua responsabilidade nominal,
viram os olhos dos sobrevivente s de Zutphen e Naarden, em 11 e 22 de
Novembro de 1572,
respectivamente, ou os dois mil homens da guarnição de Haarlem passados pela
espada após entregarem a cidade a 12 de Julho de 1573, foram a par com o pesadelo do Tribunal dos Tumultos, criado
em Antuérpia para julgar sumariamente uns doze mil rebeldes, dos quais mais de
mil perderam a vida e mais de nove mil os seus bens. O terror, como ele próprio insistia, acabava por ser o melhor
instrumento para conduzir os revoltados à obediência. Desde então, este rótulo de
apresentação acompanharia o duque onde quer que fosse, pelo que não há razões
para duvidar que isso não tivesse acontecido também em Portugal, onde, entre 1578
e 1580, a repressão da sublevação de outros vassalos, os mouriscos das
Alpujarras e, certamente, a guerra da Flandres se incorporaram no debate entre
aqueles que, com estes e outros exemplos, procuravam demonstrar a força ou a
debilidade, consoante o partido de que se tratasse, do poder militar filipino.
Isto explica que, quando se soube que Alba fora o escolhido por Filipe II para invadir
Portugal, os portugueses sentiram-no
profundamente, parecendo-lhes que o empreendimento iria até ao fim.
Se
foi realmente assim, Madrid levara a melhor. Nascido em 1507, o velho duque, pois em 1580 contava setenta e três anos, acumulara uma folha de
serviço tão espantosa como temível na altura de se pensar nele para a conquista
portuguesa. Por um lado, a sua experiência militar abarcava operações que iam
da conquista de Navarra em 1512
(sendo apenas uma criança a acompanhar o avô), Itália, Países Baixos, Alemanha
(estando presente na batalha de Mülhberg, em 1547), França ou ao norte de África. Por outro, no entanto,
não se escondia a ninguém que boa parte destas operações haviam estado
relacionadas com a política espanhola de protectorado imperial e com a
repressão de vassalos rebeldes, e não somente contra inimigos estrangeiros.
Em Itália, por volta de meados do século,
havia Toledos com cargos em
Nápoles, Florença e no Vaticano, e Alba, apesar do seu castelhanismo decidido,
seria a cabeça de um clã italiano comparável em influência aos Farnésio e aos
Gonzaga. Os laços matrimoniais contribuíram para selar lealdades entre, por
exemplo, os Medici da Toscânia e a influente família romana dos Colonna.
Especialmente útil para Madrid revelou-se a ascendência de Alba sobre Génova,
onde a guerra civil desencadeada em Março de 1575 entre a velha e a nova nobreza pôs em perigo o
alinhamento pró-espanhol da república, iniciado na década de 1520 sob influência da família Doria.
Veio a ser o próprio duque Fernando quem incitou ao apoio militar dos velhos nobres
para os repor no governo, uma vez desiludido com o seu pacifismo inicial. O
restabelecimento do pacto doriano em
Março de 1576 consagrou o equilíbrio
de facções entre os genoveses, o que não pouco ficou a dever aos conselhos de
Alba. Este, não obstante demonstrações tão políticas como a referida, havia
acumulado uma fama muito maior como braço da autoridade régia frente a vassalos
revoltados. Foi Alba quem reprimiu a recusa fiscal de Gante em 1537, através do recurso imoderado à
força, e foi também ele o responsável por levar de Itália até Bruxelas, trinta
anos depois, o exército que haveria de utilizar intensivamente para afogar em
sangue os protestos dos flamengos contra Filipe II». In Rafael Valladares, A Conquista
de Lisboa, 1578-1583, Violência Militar e Comunidade Política em Portugal,
Texto Editores, Alfragide, 2010, ISBN 978-972-47-4111-6.
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