sábado, 29 de novembro de 2014

As Emoções Racionais e a Realização Prática do Direito à Luz da Proposta de Martha Nussbaum. Ana Carolina Silvestre. «Os juízes não são neutros e o seu julgamento convoca-envolve-produz emoções (racionais e irracionais). As emoções racionais não devem ser suprimidas, elas devem ser assumidas na sua inevitabilidade e importância no âmbito do processo racional de decisão e no âmbito da decisão judicial»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«Qual será o papel das emoções no processo de tomada de decisão racional e no processo de tomada de decisão judicial, enquanto espécie pertencente ao gênero? A possibilidade de se colocar comprometidamente esta pergunta implica no enfrentamento crítico da posição tradicional, ancorada na tradição filosófica ocidental, que assume uma dualidade estrutural entre as emoções e a razão. As emoções, sustentam, devem ser dominadas ou, preferencialmente, estripadas do debate racional, revelando-se especialmente nocivas no âmbito da deliberação pública. A decisão racional é também uma decisão não-emotiva e, portanto, um bom julgador, para além de ser uma pessoa intelectualmente dotada de conhecimentos sólidos sobre as leis e sobre as coisas do mundo, deve ser capaz de suprimir suas emoções. No entanto, questiona Nussbaum, será possível decidir um caso com justiça sem a convocação das emoções? Os juízes não são neutros e o seu julgamento convoca-envolve-produz emoções (racionais e irracionais). As emoções racionais não devem ser suprimidas, elas devem ser assumidas em sua inevitabilidade e importância no âmbito do processo racional de decisão e no âmbito da decisão judicial».

O papel das obras literárias e das emoções racionais no processo de tomada de decisão judicial.
«É familiar ao senso comum a assunpção da razão e das emoções como dimensões antagónicas, em constante tensão. As emoções são, sob esta divisão asséptica, forças incontroláveis que conduzem os homens a mares bravios ou a calmarias, que se sucederiam ininterrupta e inadvertidamente, condicionada a sua felicidade ou infelicidade por factores exteriores ao eu-sujeito. Na outra face da moeda ter-se-ia a razão; luminosa, capaz de levantar o véu que obscurece a verdade, de acedê-la e de conduzir-nos ao gozo da felicidade imperturbável dos conceitos e das matemáticas. O predomínio da razão sobre a emoção teria a potencialidade de orientar a acção humana para o bem e, em última análise, nos conduziria à realidade de uma comunidade de iguais. Platão, exemplarmente, compreendia que o acesso à verdade pressuporia o cultivo da faculdade da alma que mais nos assemelhava aos deuses (a razão) e o afastamento do corpo. A alma imortal dos homens entregues à satisfação dos sentidos ganharia corporalidade, impedindo-os de aceder à verdade encerrada no mundo inteligível. Todos os seres pertencentes ao género humano possuíam uma alma imortal, assumia Platão, constituída por diferentes faculdades. A alma epitética, comum às plantas, aos animais e aos homens, relacionar-se-ia aos instintos e aos apetites (baixo ventre). A alma irascível, comum aos homens e aos animais, relacionar-se-ia à vontade como virtude cavalheiresca (peito). Para além, os seres humanos seriam dotados de uma faculdade exclusiva alcunhada de alma logística, a alma logística deveria preponderar sobre as demais, nos capacitando a todos, ainda que em potência, a aceder às verdades encerradas no mundo inteligível.
O acesso à verdade estava condicionado à racionalização das emoções, dos ímpetos, dos instintos e da vontade, ou seja, ao abandono do corpo e ao cultivo da recta razão. As guerras e os combates, sustentava Platão, estavam imediatamente relacionados à acumulação de riquezas, que servem única e exclusivamente para satisfazer os desejos e caprichos da carne. A restrição da vida à dimensão corpórea condenaria o homem a uma eternidade de sombras e de ilusão. A razão, assim como o cocheiro de uma carruagem, deveria definir a trajectória e guiar com mão firme os impulsos, as paixões e as emoções, sob pena de não mais conseguir corrigir o curso da alma arrastada pelos apelos da carne e da satisfação hedonista dos sentidos. A ataraxia seria o resultado necessário do domínio das emoções pela razão, que tudo penetra e revela um mundo estruturado sob leis ontológico-substancialmente cunhadas. As investigações platónicas, como sabemos, estavam ancoradas sob uma perspectiva mítico-teológica do mundo e das coisas do mundo. No cerne das afirmações acerca da dualidade de mundos e de justiças, da busca pela verdade encerrada num plano transcendente de inteligibilidade, da luta perpétua da alma contra o corpo, como condição necessária para o acesso à verdade, estava a crença em um mundo concebido enquanto dado (ontológico-substancialmente concebido). Um mundo constituído por (enquanto) leis eternas e imutáveis, criadas em tempos imemoriais e que incidiriam sobre todos os seres, irremediavelmente. O homem, naquele contexto cultural cunhado pela fatalidade, nada podia fazer em face daquilo que é, cabendo-lhe somente a atitude de espantar-se em face do iniludível e do inevitável». In Ana Carolina Faria Silvestre, As Emoções Racionais e a Realização Prática do Direito à Luz da Proposta de Martha Nussbaum, O Papel das Obras Literárias e das Emoções Racionais no Processo de Tomada de Decisão Judicial, Universidade de Coimbra, Revista de Estudos Jurídicos, Ano. 15, n.º 22, 2011.

Cortesia da REJurídicos/JDACT