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Contrariando esta crescente influência, aumentava o número de adeptos da
aproximação espanhola à França e Inglaterra. A destacar-se dos demais,
formara-se ainda outra facção fortemente inclinada à aliança das duas coroas
peninsulares. Qualquer das tendências contava com apoios específicos e prontos a
exercerem pressão sobre o ânimo régio. O momento, de resto, fazia prever
renhida luta de bastidores, dada a conhecida pretensão de celebrar os
matrimónios de Fernando VII e seu irmão com princesas europeias. Diplomatas e
validos disputariam entre si os argumentos mais favoráveis às respectivas
causas. O peso inicial do Embaixador Tattistshef enfraquecera, mercê da activa
oposição do núcleo pró-português. Por largo tempo enfrentará Sousa Botelho toda
a casta de intrigas e os tortuosos manejos dos competidores. Graças, porém, a
proeminentes figuras, como os ministros Pedro Cevallos e Miguel de Sardizibal, removeram-se
lentamente os derradeiros obstáculos. E a 22 de Fevereiro de 1816 assinava-se o contrato de
casamento entre o Infante Carlos Maria Isidro e a Infanta Maria Francisca de Assis.
Para Setembro apontou-se o consórcio do monarca com a princesa da Beira Maria
Isabel de Bragança.
Não
obstante o êxito obtido para a causa portuguesa, surgiria entretanto grave percalço,
ameaçando tudo deitar a perder. Em Agosto difundia-se em Madrid a notícia da
invasão portuguesa dos domínios espanhóis do Rio da Prata. Ainda que muito vaga,
a informação era de molde a provocar grande sobressalto e as maiores desconfianças.
Gerando embora imediata celeuma, não houve meios de confirmar a veracidade do
facto. E, em boa hora assim aconteceu, pois evitaram-se reacções imprevisíveis,
quando se aprontava já grandiosa recepção às Infantas. Arribaram estas ao porto
de Cadiz a 4 de Setembro. Ali permaneceram alguns dias, após o que encetaram a
viagem para Madrid, onde se celebraram os esponsais. Oportunamente estes se
concluíram. Repetindo o recurso à política de matrimónios, cuidava-se de promover
um melhor relacionamento entre as duas coroas. E, em princípio, tudo levaria a
crer que assim aconteceria. Pelo menos, segundo o ângulo das conjunturas
metropolitanas, na ocasião tão afins. Todavia, essa convergência europeia, não
encontrava paralelo nas respectiyas possessões d’além-mar.
O
Império espanhol debatia-se com a proliferação do fermento revolucionário. Em
contraste, nos domínios portugueses, nenhum indício de revolta se assinalara
ainda. Na vastidão territorial brasileira a presença da corte impunha-se como
factor vigilante e dissuasor. Prova disso, o facto de, em Dezembro de 1815, partirem de Lisboa reforços
militares para garantirem a segurança e a liberdade do Brasil. Já antes o
Governo português prudentemente tomara medidas preventivas. Em 1811 fizera avançar as suas tropas até
à margem esquerda do Uruguai. Retiradas que foram no ano seguinte, logo toda a
orla meridional brasileira se vira fustigada pelos insurgentes espanhóis. A tal
ponto aquelas incursões se repetiram, que houve absoluta necessidade de lhes
pôr cobro. Sobretudo, depois que os insurrectos se viram organizados sob o
comando de José Artigas. Perante uma situação cada vez mais ameaçadora,
e na falta de efectivos militares suficientes, decidiu a Regência apelar para a
Metrópole.
Prontamente,
como se disse, embarcaram as forças requeridas. Do Rio de Janeiro, onde o
Príncipe Regente lhes passara revista a 13 de Maio de 1816, logo seguirão para Santa
Catarina. Ali se juntam às tropas chefiadas pelo marquês de Alegrete e pelo
general Curado. Aprestados os contingentes, a 4 de Junho são passadas
instruções para o comandante supremo, general Lecor. Exactamente um mês
volvido, fará este avançar as suas forças de vanguarda para o Sul, com a
ocupação de Laguna a 9 de Julho. Pelo simples cotejo das datas, ressalta de
imediato a proximidade entre a partida das princesas para Espanha e o início da
futura campanha militar contra Montevideu. Como
interpretar, pois, tal circunstância? Dispersos os estudos sobre a
matéria, difícil será saber se foi ou não versada conclusivamente. Afigura-se-nos
que terá havido, sobretudo, uma casualidade, compreensivelmente justificada. E,
assim sendo, tal facto corrobora em favor dos inequívocos propósitos da Coroa
portuguesa, coagida a debelar os permanentes ataques dos insurrectos de Artigas.
E múltiplos testemunhos documentais o comprovam». In Fernando Castro Brandão,
Aspectos das Relações Diplomáticas Luso-Espanholas, 1814-1821, separata de A
Diplomacia na História de Portugal, Academia Portuguesa da História, Lisboa,
1990.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT