Arquitectura
monástica e conventual feminina
«A historiografia da arte encontrou até hoje nos mosteiros e
conventos dos ramos femininos um lugar privilegiado, e aparentemente único,
para poder analisar e responder à questão sobre a eventual especificidade do
feminino na arquitectura medieval. Levantar o problema do lugar do
feminino e da especificidade do espaço das mulheres é
aceitar, implicitamente, a pertinência e a legitimidade historiográfica de uma
História das Mulheres, realidade que durante o século XIX e início do século XX
foi esquecida pelos historiadores profissionais. Sem dúvida que a pujança dos
movimentos feministas na década de 60 permitiu o desenvolvimento de uma forma
sustentada da História das Mulheres que deixou de ser considerada apenas como
mais um capítulo da história Geral, a História dos Homens. O feminismo obrigou
a historiografia a reinventar-se e a assumir que não interessa apenas colocar
as mulheres na história, mas conceber uma História das Mulheres. Devemos
destacar que esta história é uma história plural, das mulheres, e não apenas da
mulher, e procuraremos ter sempre presente esta diferença na análise da
arquitectura associada a diferentes percursos da religiosidade feminina. Essa
análise, como estudo mais geral sobre o papel das mulheres na arte, encontra
diversificada riqueza de textos e imagens como objecto de estudo, mas,
infelizmente e como foi ainda recentemente destacado por Xavier Barral i Altet,
essa riqueza não é extensível ao período românico onde nos deparamos com
escassez de informação. Mais importante do que a apreciação sobre a diferente
qualidade das fontes para vários períodos históricos, o que numa apreciação
genérica é consensual, importa interrogar as próprias fontes no contexto da
mudança de perspectiva trazida pela História das Mulheres. Por outras
palavras, temos também de nos interrogar sobre o papel das mulheres na produção
das próprias fontes. A esta interrogação não pode ser indiferente a questão do
papel e da importância dos homens na formação dessa memória, numa Idade Média
que é, antes de mais, masculina, para utilizar uma sugestiva expressão devida a
Georges Duby. Daí que surja como indispensável estudar a História das Mulheres
em relação com a História dos Homens, atendendo à diferença entre os
dois sexos, e instaurando uma categoria fundamental para a História, o conceito
de Género como categoria histórica. Esta categoria assume-se como um princípio
de análise já que todas as sociedades apresentam diferenças de género quanto
aos comportamentos, às actividades e quanto aos espaços.
O estudo das diferenças apresenta-se ainda como o estudo das
relações entre o género feminino e o género masculino ao longo da História, o
que significa também que o mundo dos objectos e da arte fazem necessariamente
parte do estudo e do entendimento dessas relações e diferenças. No entanto, os
olhares que nos chegam sobre as mulheres, o seu espaço e os objectos que as
rodeiam, são maioritariamente masculinos. Há um silêncio por parte das próprias
mulheres, que por vezes se rompe, mas que diz ao historiador muito menos do que
aquilo que ele gostaria de saber. Assim se compreende que os estudos sobre as
Mulheres possam muitas vezes ser encarados como, mais do que uma verdadeira
História das Mulheres, uma História da visão dos homens sobre as mulheres. Esta
perspectiva e limitação, consequência das características das diversas fontes,
textuais, iconográficas, da cultura material ao dispor do historiador é
claramente assumida por alguns historiadores, como Georges Duby. Daí
naturalmente que se compreende também o nascimento de alguma crítica de
sectores historiográficos mais optimistas a este respeito, nomeadamente por
parte da historiografia americana.
Nessas sociedades as imagens constituíram sempre lugares
privilegiados para a construção de tipos sociais, para a representação do poder
e também para a representação dos lugares da mulher em sociedade. Compreende-se
assim que a História de Arte, quando optou por uma visão feminista ou,
pelo menos, quando teve em atenção os estudos de História das Mulheres, tenha
privilegiado os estudos sobre as representações das mulheres. É igualmente no
âmbito dos estudos das imagens medievais que deve ser integrado o colóquio
realizado em 2001, no Museu de Unterlinder. Reunindo um conjunto de
especialistas, estudou as relações entre mulheres, arte e religião na Idade
Média, alargando a investigação a diferentes tipos de materiais e suportes para
as imagens, bem como a diferentes objectos, mas em que a arquitectura como
objecto de estudo aparentemente privilegiado para entender as relações entre
estes três aspectos esteve infelizmente ausente. Neste panorama historiográfico
constituiu uma primeira excepção o já citado número especial da revista Gesta,
de 1992, dedicado exclusivamente à
arquitectura monástica feminina. Embora este número aparecesse então como
particularmente auspicioso para o futuro dos estudos sobre a arquitectura
monástica, mostrando a necessidade de diferenciar os espaços que serviam
comunidades femininas, os progressos na historiografia da arte desde então
parecem tímidos, se exceptuarmos o
interesse pelo tema na historiografia europeia de diferentes países. Esse
número temático permitiu estabelecer questões fundamentais para a problemática
da arquitectura das casas de religiosas. A primeira foi sem dúvida o problema
da clausura, cujo interesse, através da sua evolução histórica, residirá não
tanto na sua associação ao tema da decadência de mosteiros e conventos
femininos, mas no modo como essa clausura é reforçada através da arquitectura.
Significa isto que o espaço monástico e, em particular o espaço sagrado da
igreja, deve ser analisado face às restrições a que a clausura própria destas
comunidades obriga, e os eventuais dispositivos arquitectónicos que dão força e
valor a essa prática religiosa.
A Alta Idade Média e
o plano beneditino
Nos primeiros tempos do cristianismo, à semelhança dos
homens que se retiravam do mundo para seguir em isolamento uma vida religiosa,
o mesmo se passou com mulheres que em grupos, formavam pequenas comunidades,
vivendo muitas vezes numa casa. Consagravam-se à oração, num quotidiano de
pobreza, ou pelo menos de austeridade, na maneira de vestir. Muitas vezes,
estas mulheres pertenciam à mesma família, habitando conjuntamente com outras
mulheres delas dependentes. Mais do que religiosas, estas comunidades de
mulheres correspondiam mais propriamente à concretização de um ideal de laicas
virtuosas, vivendo em castidade e dedicando-se a trabalhos têxteis.
Viviam praticamente em família constituindo por vezes aquilo que era um parthénon, ou um grupo de jovens
virgens, como aconteceu nos fins do século III com a irmã de Santo Antão, o
santificado eremita dos princípios do Cristianismo». In Francisco
M. Correia Teixeira, A Arquitectura Monástica e Conventual Feminina em Portugal,
nos Séculos XIII e XIV, Tese de Doutoramento, História da Arte Islâmica e
Medieval, Universidade do Algarve, Faculdade de CH e Sociais, Faro, 2007.
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