Violência
A
escolha de Alba
«(…)
A ligação entre os factos da Flandres e a conquista de Portugal evidenciou-se
pelo menos em três pontos: em ambos os casos, Madrid tratou de punir duas
rebeliões consideradas como domésticas, e também em ambos Alba tentou aplicar
um projecto baseado em dois tempos (primeiro, uma repressão violenta o mais
breve possível, a que se seguiria uma viagem do rei para conceder perdões), e
em ambos os casos, por fim, o duque promoveu a criação de um tribunal especial para
ditar a justiça sumária destinada aos rebeldes. Só este último ficou por realizar
em Portugal no ano de 1580,
certamente por causa dos resultados contraproducentes que Filipe II havia
obtido nos Países Baixos com o Tribunal dos Tumultos. Contudo, o rei pôs
em marcha algo muito semelhante nos Açores, quando esmagou finalmente a
resistência das ilhas que se lhe opunham, em 1583. Claro que era inevitável que todas as mentes recordassem o
protagonismo de Alba no episódio flamengo. Em plena campanha portuguesa,
perante a tomada iminente de Cascais, o seu defensor Diogo Meneses desafiou o
duque para que medisse a sua espada e verificasse se se havia tão bem com os portugueses como com os flamengos. O próprio
Filipe II não resistiu a comparar o seu opositor, o prior do Crato, com o
também rebelde Guilherme de Orange. Diante daqueles que subestimavam a fuga do
bastardo luso, o rei ironizou: ..não sei se
se disse o mesmo do de Orange, pelo que não há que fiar até que o tenhamos
morto ou preso.
Ainda
que estes comentários não expliquem completamente se Alba foi escolhido para
invadir Portugal pela sua experiência bélica em geral, ou se pela adquirida na
Flandres em particular, há motivos para acreditar que a segunda razão pesou
mais do que a primeira. A escolha do general máximo de uma guerra sintetiza
sempre o próprio sentido da mesma e a sua natureza, a ponto de revelar quais
são os objectivos militares e as intenções políticas do atacante. No debate que,
aparentemente, se travou em torno da escolha de Alba, confluíram várias linhas de
argumentação, que se resumiam ao elogio da sua posição de veterano e prestígio,
os partidários, ou em criticar a sua idade avançada, os detractores. Estes
últimos militavam na facção do então já falecido príncipe de Eboli, o português
Rui Gomes Silva, seu grande rival no governo, que exploraram a circunstância de
Alba se encontrar desterrado em Uceda desde Janeiro de 1579, em castigo por ter autorizado o casamento do seu filho Fadrique
com uma sua prima em segundo grau, sem licença real. A Coroa não podia
permitir que uma linhagem como a dos Toledo decidisse estabelecer as suas
alianças sem antes contar com as prioridades régias, sobretudo neste caso em
que o noivo havia desprezado uma anterior prometida e, portanto, outra família
aristocrática. Deste modo, quando estalou a crise sucessória de Portugal, Alba
caíra em desgraça devido a uma curiosa combinação de luta pela sua estratégia
familiar, desobediência ao rei e divisionismo cortesão. À medida que
avançava o ano de 1579 e a via
militar se ia consolidando como prioritária face à negociação, o nome do duque
começou a soar cada vez mais entre os conselheiros de Filipe II como líder da
invasão, incluindo-se o parecer de Cristóvão Moura, que alguma historiografia
apontou como opinião decisiva. A ideia de que haviam de ser as endurecidas
tropas espanholas destinadas à Flandres o aríete da invasão portuguesa deverá
ter pesado a favor da candidatura de Alba, dada a identificação e cumplicidade
protectora que se forjara entre o duque e os seus homens durante os
extraordinários anos nos Países Baixos. O presidente do Conselho de Castela
recordou, em Fevereiro de 1579: Vemos o grande descontentamento existente
entre todos os soldados por não compreenderem que não seja o duque a chefiá-1os.
Se em algum momento o que restava do grupo ebolista tinha contado para prejudicar
Alba, este período chegou ao fim com outro acontecimento ocorrido a 28 de Julho
do mesmo ano: as detenções de Ana Mendoza Lacerda, princesa viúva de Eboli,
e do secretário real António Peréz, relacionadas com o assassínio do também
secretário Juan Escobedo, que alvoraçara Madrid no mês de Março anterior.
Durante o Inverno e a Primavera de 1579,
redobraram-se as vozes a favor da nomeação de Alba para o empreendimento de
Portugal, convertendo-o praticamente os seus defensores na única pessoa capaz
de dar conta daquela operação. Fosse ou não assim, em Fevereiro de 1580 o rei anuiu, sobretudo depois de
conhecer os argumentos de Moura a favor de Alba, devido ao prestígio de que o
duque gozava em Portugal, de facto, o rei Sebastião pedira-lhe o seu parecer
relativamente à jornada de Marrocos, que ele desaconselhou, e do medo que
suscitava. … seria bom para espantalho,
que para isso serve, acabou por reconhecer o monarca. A 25 de Fevereiro,
Filipe II informou Cristóvão Moura que o duque estava já a caminho da
Estremadura». In Rafael Valladares, A Conquista de Lisboa, 1578-1583, Violência
Militar e Comunidade Política em Portugal, Texto Editores, Alfragide, 2010,
ISBN 978-972-47-4111-6.
Cortesia
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