Casamento
«(…) Joana engoliu em seco. Deixara-se levar alegremente por aquela
onda de atitudes impensadas, despreocupadas e indecorosas, inebriada pela
aceitação imediata da normalidade daqueles hábitos permissivos. Agora, um dos
seus jovens conterrâneos lembrara-lhe claramente e em público que isso não
estava de acordo com a sua educação espanhola. Joana sentiu-se envergonhada. Filipe
afastou-se da jovem cujos encantos muito o haviam atraído, uma elegante dama de
lábios quentes que lhe exigiam beijos. A interrupção não lhe agradou nada e
atravessou a sala, irado. – Senhores, quem foi o causador disto e porquê? O conde
de Chimay narrou o que se passara, afagando a gola de pele de raposa do seu
manto curto com os dedos gordos; depois, com um gesto da mão que pretendia descartar
aquele episódio idiota, comentou: - sabeis como são estes espanhóis ridículos,
não sabem descontrair-se e gozar a vida. Filipe, porém, não deixou cair o
assunto.
- Vejo, senhor, que sentis a
mesma preocupação pela honra destas damas que haveis dispensado aos cavalos que
me trouxestes. Louvo-vos pelo vosso alto grau de sensibilidade. Tendes toda a
razão sobre os homens que se encostam às saias das nossas belas damas. Sugere falta
de respeito. Senhores, que eu não volte a testemunhar tal acto. - Virou-se para
Joana. -Acompanhais-me na próxima dança?
Afinal, não se zangara com ela! Joana não tinha culpa e o rosado da vergonha transformou-se
em desejo. Podia agora pegar-lhe na mão e olhá-lo nos olhos. Regressara à sua pequena
ilha de total felicidade. - Os vossos lacaios vieram ver-me hoje, anunciou ele
friamente, enquanto iam trocando de lugar e fazendo vénias um ao outro. - E trouxeram
com eles todos os seus cansativos problemas. Digo-vos que estou farto. A raiz do
problema é o facto de terdes demasiados criados. São muito caros e recuso-me a
ser constantemente incomodado por causa dos seus ordenados. Chegou a altura de
serem despedidos e substituídos pela boa gente da Borgonha. Há já algum tempo que
me preocupa o facto de o meu dinheiro ir parar à mão de estrangeiros. Contudo vou
dar instruções a Chimay para que faça alguns pagamentos provisórios até que se trate
de tudo para os enviar para casa. - Poderei
ficar com os meus criados pessoais?
- Alguns, teremos de ver quantos.
Chimay conta-me que a maior parte está aqui para espiar em nome da Espanha, o
que tem de ser rectificado imediatamente. - Senhor, fazeis-lhes uma grande
injustiça, mas se isso vos deixa mais satisfeito, então aceitarei as
alterações. - Tenho de vos lembrar que não vos compete aceitar ou não. Na
Flandres, uma esposa faz aquilo que lhe ordenam. Que havia Joana de fazer? Iria ter mais Madames Halewyns em seu redor. Vozes frias e desdenhosas estariam à
espera, ávidas de cada palavra sua, prontas a ridicularizá-la. O tio tinha
razão; os flamengos eram na sua maioria maus e vingativos e não gostavam da
presença dela. Tinha de se proteger deles. Era vital existir uma corte
espanhola, mesmo que pequena. O aperto na garganta quase a asfixiava e Joana engoliu
as lágrimas que ameaçavam derramar-se. Tinha de descobrir forma de persuadir
Filipe a ser generoso. A dança terminou. - Vireis
ao meu leito esta noite?, insinuou-se ela meigamente, olhando-o
sub-repticiamente e puxando-lhe a manga de forma sedutora. - Veremos, veremos.
Não posso visitar-vos todas as noites. Beijou-lhe a mão, roçou-lhe a face com
os lábios e conduziu-a ao lugar junto de Margarida, antes de se afastar para o
outro lado da sala, ao encontro da dama cujos modos sedutores o começavam a
excitar; depois teria de ir lidar com aqueles espanhóis conflituosos. Não se preocupou
muito pelo facto de não a encontrar, pois decidira que, afinal, iria visitar
Joana. Esta estava impaciente pelo fim do baile para que ela e Filipe pudessem
deitar-se juntos. Iria pedir a Zayda que a banhasse em água perfumada, lhe
esfregasse os cabelos com óleos aromáticos e lhe vestisse uma camisa bem
decotada e que lhe caísse prontamente dos ombros. Ou talvez usasse apenas um
leve manto sobre a sua nudez. Depois, Filipe entraria no seu quarto, despindo
as roupas ao aproximar-se do leito e o acto do amor teria início, ao princípio
lentamente, enquanto a paixão os aquecia, até que... Corou, antecipando o
prazer. Aprendera tanto em tão pouco tempo». In Linda Carlino, That Other Joana,
2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel
Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.
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