A Herança d’O Bolonhês
«(…) Mas foi acima de tudo o facto de Álvaro Nuñez ser um dos
principais apoiantes de Afonso de la Cerda, filho do primogénito de Afonso X, Fernando
de la Cerda, morto em 1275, e que continuava a disputar com Sancho IV os
direitos à Coroa de Castela, que ditou a insurreição do Lara. O primeiro sinal
da aliança com Afonso parece ter sido o apoio prestado a uma cavalgada liderada
pelo próprio Álvaro Nuñez contra a região do Riba-Côa, no final da Primavera de
1287. Ora, tendo esta incursão sido
travada pelas milícias concelhias de Alfaiates e de outras localidades
próximas, é muito possível que as forças do Lara tenham partido da Guarda,
localidades que distam apenas 45 quilómetros, cuja tenência pertencia,
recorde-se, desde 1279 ou 1280, ao seu aliado português. Esta é,
aliás, uma informação que se compagina com o testemunho do conde Pedro, que na Crónica Geral de Espanha de 1344 refere
que das fortalezas do infante dom Afonso,
[Álvaro Nuñez] fazia muito mal em Castela. Mas o apoio prestado nesta
ocasião, e provavelmente noutras anteriores, como no caso do confronto ocorrido
nas imediações de Miranda do Douro e em que morreu Nuno Rodrigues Bocarro que andava em companhia de D. Álvaro Nuñez
Lara, ter-se-á também expressado na integração de forças portuguesas na hoste
do Lara. Foi o caso das mesnadas de Fernão e Sentil Soares Barbudo, irmãos de
Fernão Soares Barbudo, o mordomo do senhor de Portalegre, e que vêm a
morrer precisamente nesse enfrentamento, e de Martim Vasques Soverosa II,
provavelmente vassalo do infante, entre muitos outros a que as fontes não
aludem. No mesmo sentido aponta frei Francisco Brandão na Monarquia Lusitana, segundo o qual o infante teria obrigado a gente da mesma cidade e comarca [da Guarda]
a entrar nestas revoltas. Muitos não passariam de mesteirais, camponeses e
pastores recrutados compulsivamente e armados com pouco mais que um chuço ou
uma foice presa a uma haste de madeira, que decerto integrara aquelas hoste por
medo de retaliações e de represálias. Não são abundantes as informações acerca
deste confronto, ocorrido nas proximidades de Alfaiates, no qual o infante não
terá participado pessoalmente, sabendo-se apenas que as forças do Lara sofreram
uma estrondosa derrota, que se saldou num elevado número de baixas.
Terá sido na sequência do apoio militar prestado a Álvaro Nuñez na
Primavera de 1287 que o rei, indignado
com o posicionamento do infante, diametralmente oposto à política da Coroa
de boas relações com a monarquia castelhana, se desloca pessoalmente à
Guarda nos finais de Junho com a intenção de fazê-lo mudar de atitude. Do que então
sucedeu nada se sabe, mas é muito possível que Afonso se tenha mantido irredutível, acabando, por isso, como
sustenta Fernando Félix Lopes, por ser afastado do comando da tenência dessa
cidade beirã. Com efeito, no dia 22 de Julho surge identificado apenas como tenente
de Lamego, Viseu e Trasserra. É também por esses dias, em altura que não é
possível precisar, mas que talvez tenha ocorrido na segunda quinzena de Julho,
que os reis de Portugal e de Castela se reúnem na localidade do Sabugal para
debater quais as acções a tomar face ao problema, que ambos sabiam que só poderia
ter uma solução: a guerra. O encontro do rei Dinis I e de Sancho IV
selou, portanto, o destino do infante e do seu aliado, pois foi nessa ocasião
que os dois monarcas decidiram levar a cabo uma acção militar conjunta contra Afonso e o Lara. Apesar da necessidade
de responder de imediato às acções dos rebeldes, foram necessários ainda alguns
meses para mobilizar os meios necessários, o que levou a que a campanha tivesse
decorrido apenas em finais do Outono / princípios do Inverno, ou seja nos
períodos considerados menos propícios para a actividade bélica.
Antes de avançar na direcção de Arronches, onde o infante e o seu aliado
se tinham refugiado, o rei convocara a hoste para a cidade da Guarda. Ainda que
em termos estratégicos esse fosse um local indicado para lançar uma ofensiva
sobre o Alto Alentejo, não deixa também de ser uma escolha carregada de
simbolismo, já que, dessa forma, a campanha seria iniciada precisamente numa terra,
por um lado, cuja tenência tinha pertencido a Afonso e, por outro, a partir de onde o Lara havia lançado as suas
incursões contra território castelhano. É provável, embora não seja seguro, que
nesta altura, ao contrário do que havia sucedido em 1281, a hoste régia portuguesa tivesse já a participação de um
número significativo de ricos-homens detentores de tenências. De facto, com Dinis
I encontravam-se o alferes-mor Martim Gil de Riba de Vizela, o chanceler
Domingos Anes, Mem Rodrigues de Briteiros, João Rodrigues de Briteiros, Pedro
Anes de Portel, Martim Anes de Soverosa, Fernão Peres Barbosa, Martim Mendes de
Briteiros, Lourenço Soares de Valadares e Durão Martins de Parada, o arcebispo
de Braga e os bispos de Coimbra, Porto, Lisboa, Silves, Guarda, Lamego e Évora.
Para além destas figuras, o rei obtivera ainda a participação de outros
sectores da nobreza, designadamente de alguns cavaleiros como Gonçalo Martins
Cunha que, assumindo publicamente o receio de vir a perecer em combate, lavrou
o seu testamento imediatamente antes de partir para a campanha de 1287. Segundo frei Francisco Brandão, o
rei terá ainda contado com o apoio de alguns contingentes fornecidos pelas
ordens militares, porém, a documentação não corrobora esta hipótese». In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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