O acaso da descoberta e a riqueza
das pesquisas arqueológicas.
«(…) Livros
Bíblicos canónicos. Segundo o que sabemos, foi no Concílio rabínico
de Jâmnia ou Jabne, entre os anos 80-90, que se formou o Cânone
hebraico da Bíblia. Do Antigo Testamento, entre os manuscritos só não está
representado o Livro de Ester e de alguns livros há vários manuscritos
fragmentados. Os exegetas e críticos atribuem grande significado ao Livro de
Isaías, que aparece em dois exemplares. O exemplar completo, com 7,35m de
comprido e 66 capítulos, tem particular relevo, porque na coluna 33 apresenta
entre o capítulo 39 e o 40 um espaço em branco, que os homens da crítica
literária bíblica assumem como um indício e uma reminiscência da distinção
estabelecida pelos exegetas entre o Proto-Isaías (séc. VIII) e o Deutero-Isaías
(séc. VI). Isso seria a confirmação da exegese crítica moderna sobre a
pluralidade de autores daquele livro sagrado. Apareceram também alguns livros
considerados Deuterocanónicos (Tobias, Eclesiastico ou Ben Sirac, Carta de
Jeremias), isto é, livros bíblicos que só mais tarde a autoridade cristã
incluiu na lista dos livros sagrados, o que demonstra o seu interesse. É enorme
a série de fragmentos com textos da TENAK, isto é, dos três grandes blocos em
que se subdivide a Torá hebraica ou Antigo Testamento cristão.
Livros para-bíblicos ou
Apócrifos. São livros que não pertencem ao Cânone da Sagrada
Escritura ou são supostamente atribuídos a figuras bíblicas: Livro dos
Jubileus, Henoc, Testamento dos 12 Patriarcas, Oração de Nabónides, apócrifo do
Génese e os Pesharyim ou comentários aramaicos a livros bíblicos hebraicos
(Pesher de Habacuc), bem como os Targumim ou traduções com paráfrases sobre
livros bíblicos em aramaico, Levítico, Job, etc..
Literatura de ideologia essénia.
Sérek HaYahad, isto é, Livro da Regra também chamado Manual da
Disciplina em dois exemplares fragmentados, Sérek Há Eda, isto é, Regra da Congregação, Séfer HáMmilhamah,
isto é, Livro da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas,
Documento de Damasco, já conhecido pela descoberta na guenizá do Cairo em 1892,
Hinos (Hodayot), um conjunto de oito salmos próprios da comunidade, colecção de
Bençãos.
Literatura vária.
Rolo do Templo em dois exemplares (4 Q e 11 Q) e outros muitos fragmentos (dezenas
de milhar), que só a paciência e o amor foram identificando. Pelo que foi dito
se pode imaginar o trabalho e a técnica a que foi preciso recorrer para se
chegar aos textos que agora nos são oferecidos em leitura bilingue. Com a breve
resenha apresentada se vê a extraordinária importância destes manuscritos para
a Bíblia, em primeiro lugar. É que, desconhecendo ainda a posterior vocalização
massorética, mas usando já a escrita plena com as matres lectionis (Alef, He, Yod, Vau), os homens de Qumran
vieram em certa medida provar a fidelidade substancial do texto hebraico ou
massorético estabelecido pelos rabinos já em adiantada era cristã. Por outro
lado, vê-se que, para os textos gregos da Bíblia, os habitantes de Qumran
já conheciam a versão grega dos LXX, que tinha sido traduzida no Egipto. É
arriscada e não provada a hipótese de se encontrarem textos do Novo Testamento,
como quis provar José O’Callaghan. Por exemplo, ele pretendeu num minúsculo
fragmento de papiro (3,9cmx2,7cm e 4 linhas), datado de 50 d.C., reconstituir
com poucas letras gregas o texto de Marcos sobre o milagre da multiplicação do
pão. Quanto ao tipo de escrita semítica usada nos manuscritos hebreus e
arameus, vê-se que a letra ainda tem características arcaicas, mas está em
nítida evolução para o que vai ser a típica escrita quadrada.
Que comunidade era a detentora do lugar e autora dos textos?
As escavações arqueológicas de 1952 puseram a descoberto as grandiosas ruínas de Qumran na
plataforma de marga argilosa sobranceira ao Wadi Qumran, a 50 metros acima
do Mar Morto, mas a 330 metros abaixo do nível do mar. Desde logo, esse
lugar foi identificado com o mosteiro dos essénios, Essénoi, como informa Flávio Josefo na transcrição grega do
aramaico Hasdin ou do hebraico Hasidim = piedosos.
Tratava-se dum complexo habitacional, com longo aqueduto e canais de água para
sustento das pessoas e abluções rituais, comprovadas pelos vários tanques ou Miqvéh,
e onde os arqueólogos foram identificando diversos espaços, a que deram o nome
de torre, scriptorium, cozinha, sala de reuniões, oficina de cerâmica, depósito
de louça, estábulo, cemitério. Sem dúvida nenhuma, portanto, um vasto espaço de
vida comum, apesar de se notarem vários cortes cronológicos nas sucessivas
camadas do terreno. A ocupação do lugar estende-se, com certeza, desde 152 a.C. até à guerra 66-70,
quando Qumran foi destruído e ocupado por um posto militar romano.
Fugindo à invasão e perseguição romanas, os habitantes esconderam os seus
preciosos tesouros culturais, fugiram uns e juntaram-se outros aos
guerrilheiros da resistência, como informa Flávio Josefo. O complexo ficou
deserto, possivelmente, até 132-135,
se é que não foi reocupado por outros judeus, que ignoravam a fuga dos
anteriores e os esconderijos dos seus manuscritos. À volta de Qumran,
outras descobertas foram feitas em Murabba`at, Masada, Hirbet Mird, lugares
altos e quase inacessíveis da resistência judaica. Na verdade, toda aquela zona
parece ter sido envolvida pela ocupação romana de Pompeu em 63 a.C. e pelas duas guerras
judaicas contra os romanos de Tito em 66-70
e de Adriano em 132-135,
quando até a cidade de Jerusalém foi arrasada ao solo e reconstruída à maneira
romana com o nome de Aelia Capitolina em honra do
Imperador Élio Adriano». In Geraldo Coelho Dias, Judaísmo, Os Manuscritos de
Qumrah e a Comunidade Judaica do Mar Morto. Texto inédito. Conferência no Museu
dos Transportes e Comunicações. Porto. Maio de 2005.
Cortesia de MTC do Porto/JDACT