«As histórias para crianças devem ser escritas com palavras
muito simples…Quem me dera saber escrever essas histórias…» In
José Saramago
«Se
eu tivesse aquelas qualidades, poderia contar, com pormenores, uma linda
história que um dia inventei…, …seria a mais linda de todas as que se
escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas…, … havia
uma aldeia. …e um menino.
… sai o menino pelos fundos do quintal, e, de árvore em
árvore, como um pintassilgo, desce o rio e depois por ele abaixo… Em certa
altura, chegou ao limite das terras até onde se aventurara sozinho. Dali para
diante começava o “planeta Marte”. Dali para diante, para o nosso menino, será
só uma pergunta: «Vou ou não vou?» E foi. O rio fazia um desvio grande,
afastava-se, e de rio ele estava já um pouco farto, tanto que o via desde que
nascera. Resolveu cortar a direito pelos campos, entre extensos olivais,
ladeando misteriosas sebes cobertas de campainhas brancas, e outras vezes
metendo pelos bosques de altas árvores onde havia clareiras macias sem rasto de
gente ou bicho, e ao redor um silêncio que zumbia, e também um calor vegetal,
um cheiro de caule fresco.
Ó
que feliz ia o menino! Andou, andou, foram rareando as árvores, e agora havia
uma charneca rasa, de mato ralo e seco, e no meio dela uma inclinada colina
redonda como uma tigela voltada.
Deu-se
o menino ao trabalho de subir a encosta, e quando chegou lá acima, que viu ele?
Nem a sorte nem a morte, nem as tábuas do destino… Era só uma flor. Mas tão
caída, tão murcha, que o menino se achegou, de cansado. E como este menino era
especial de história, achou que tinha de salvar a flor. Mas que é da água? Ali,
no alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e esse que longe estava!...
Não importa.
Desce
o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio, com as mãos
recolhe quanta de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo monte se
arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com sede. Vinte vezes cá e
lá…
Mas a flor aprumada já dava cheiro no ar, e como se fosse
uma grande árvore deitava sombra no chão.
O
menino adormeceu debaixo da flor. Passaram as horas, e os pais, como é costume
nestes casos, começaram a afligir-se muito. Saiu toda a família e mais vizinhos
à busca do menino perdido. E não o acharam. Correram tudo, já em lágrimas
tantas, e era quase sol-pôr quando levantaram os olhos e viram ao longe uma
flor enorme que ninguém se lembrava que estivesse ali.
Foram todos de carreira, subiram a colina e deram com o
menino adormecido. Sobre ele, resguardando-o do fresco da tarde, estava uma
grande pétala perfumada… Este menino foi levado para casa, rodeado de todo o
respeito, como obra de milagre.
Quando depois passava pelas ruas, as pessoas diziam que ele
saíra da aldeia para ir fazer uma coisa que era muito maior do que o seu
tamanho e do que todos os tamanhos.
Este era o conto que eu queria contar. Tenho muita pena de não saber escrever histórias para crianças. Mas ao menos ficaram sabendo como a história seria, e poderão contá-la doutra maneira, com palavras mais simples do que as minhas, e talvez mais tarde venham a saber escrever histórias para crianças… Quem sabe se um dia virei a ler outra vez esta história, escrita por ti que me lês, mas muito mais bonita?...» In José Saramago, A Maior Flor do Mundo, Adaptação, Ilustrações de João Caetano, Editorial Caminho, 2001, ISBN 978-972-211-437-0.
Cortesia de Caminho/JDACT