A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa até ao final do reinado de
Dinis I
«(…) Para tal
socorremo-nos essencialmente dos pergaminhos que se encontram depositados na
Torre do Tombo provenientes do antigo cartório da Ordem, bem como de outros
diplomas, nomeadamente os das diferentes Chancelarias régias, num âmbito
cronológico que vai desde a fundação da Ordem (1175-1176) até ao final
do mestrado de Vasco Afonso (1329). Se a escolha da data inicial
é óbvia, o termo do período a estudar está relacionado com o fim do reinado de
Dinis I e também com o fim de uma fase de organização interna da Ordem e o
início de uma outra, esta de rentabilização do património que ia sendo
adquirido. Não creio ser necessário referir em que circunstâncias a Ordem
militar de Avis foi criada. Ruy Pinto Azevedo fê-lo já há alguns anos, tendo atribuído
ao rei Afonso Henriques a ideia de dotar
a cidade de Évora, à data o mais avançado bastião da reconquista cristã na
Península, com uma instituição do tipo monástico-militar, tal como se fizera
uns anos antes para os reinos de Leão e Castela nas praças fortes de Calatrava
e Uclés. O mesmo autor acrescenta que a concretização deste projecto foi um
êxito como o demonstram as liberalidades
e o aturado carinho deste monarca e de seu filho Sancho I para com o mestre e
freires eborenses em anos sucessivos. Tanto quanto nos é dado conhecer pela
documentação existente, esta última afirmação de Pinto Azevedo carece de exactidão:
de facto, só chegaram aos nossos dias uns poucos documentos comprovativos de
doações afonsinas e referentes a bens que podemos considerar modestos (vinhas e casas em Évora e
casas em Santarém). A única excepção é o castelo de Coruche, doado em Abril de 1181, graça que, no entanto, não incluía
o senhorio daquela localidade: por essa razão, em 1182 é o monarca, e não a Ordem, quem concede carta de foral aos
seus habitantes. Para além da isenção do pagamento de portagem e alcaidaria dos
mouros e gado que vendessem em Évora, a milícia apenas vai contar com mais
alguns direitos em Coruche em 1248,
nomeadamente a percepção dos direitos eclesiásticos inerentes ao padroado das
Igrejas desta localidade. É possível que à data da morte de Afonso Henriques, o
cômputo dos bens da milícia fosse superior ao que a documentação avulsa indica,
mas nada nos leva a supor que o carinho,
para usar a expressão de Pinto Azevedo, do nosso primeiro rei tenha redundado
numa ampla dotação aos freires eborenses!
Posta a questão nestes
termos, parece-nos pertinente perguntar qual seria o principal objectivo do
monarca ao criar a milícia de Évora. Ou seja, Afonso Henriques estava
interessado em promover um grupo militar organizado, fiel ao seu serviço e que
de algum modo tapasse a brecha deixada por Geraldo Sem Pavor,
como sugeriu Pinto Azevedo? Ou, por outro lado, não seria possível que o rei pretendesse fomentar a implantação de monges
cistercienses em território recém conquistado? Se a primeira hipótese nos
parece demasiado simplista, a segunda peca, a nosso ver, por tentar dar à Ordem
um forte pendor de religiosidade que nos parece nunca ter tido: os freires
eborenses foram sempre, antes de mais, cavaleiros (portanto, homens com
funções militares) que viviam sob uma regra religiosa, a de S. Bento, que tinha
como principal função não só o dar uma razão válida para a guerra que
praticavam, como sobretudo facilitar a vida em comum de um grupo mais ou menos
numeroso de homens. Dada a escassez de documentos, acrescida da exiguidade de
informação que encerra cada diploma, não nos é possível adiantar uma hipótese
conclusiva. De facto, apenas a primeira doação de Afonso Henriques, datada de 1176 nos dá como que uma solução de compromisso, no endereço ou
inscrição do diploma, o rei refere-se ao Mestre Gonçalo Viegas e aos seus
freires como Ordinem Sancti Benedicti
... tenentibus (aludindo, portanto, à sua condição religiosa), mas nos
motivos que o levam a fazer a doação o factor militar surge já com certa
evidência: considerans salutem anime
et utilitatem christianis et
defensionem regni.
Tal como acontece
relativamente ao reinado de Afonso Henriques, os diplomas de Sancho I são, além
de muito poucos, praticamente omissos quanto aos motivos que levaram à criação
da milícia. São, no entanto, mais numerosos os diplomas indicadores de uma
protecção da milícia por parte do poder régio, dada em troca de serviço,
pensamos que militar, por parte dos freires. Assim, e por exemplo, a doação do
castelo de Mafra (não da vila que foi doada pouco tempo depois ao bispo
Nicolau, bispo de Silves) refere o que nos parece ser a razão de existir da
Ordem pelo menos até ao fim da Reconquista: o serviço do rei.
A expressão pro bono servicio quod
nobis fecistis et faciatis, apesar de vulgar nos documentos da época,
poderá apontar nesse sentido. Do mesmo modo, a doação de Alcanede, Alpedriz e
do castelo de Juromenha, este si mihi
eum Deus dederit, porque ainda não estava conquistado, é feita com a
condição de ut mihi semper et universo
semini meo in regno succedenti cum eis fideliter seruiatis.
Provavelmente, com ideia de auxiliar os cavaleiros na sua função, o rei deixa,
no seu testamento, ao Mestre e freires de Évora 5000 maravedis, assim como
cavalos, mulas de sela e azémulas». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Mateus! Que estejas na Paz.
Cortesia da FL do Porto/JDACT