terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Luís XVI. França. Monarca Infeliz. Américo Faria. «Quatro anos após o seu auspicioso casamento, Luís XVI ascendia ao trono por morte do avô. É então, que ele profere a histórica frase de desespero: Sou o mais infeliz dos homens! Meu Deus, que fardo recebo na minha idade!»


Cortesia de wikipedia

O ‘pobre homem’ que não queria reinar
«Na verdade, se há, na substancial História da França, monarcas infelizes, ao neto do faustoso rei Bem-Amado, que foi o décimo-sexto da extensa relação dos Luíses, cabe, indubitavelmente, as palmas do martírio. Como soberano, o seu reinado foi dos mais tormentosos e acidentados, e, como marido, talvez tivesse sido feliz somente pela sua credulidade e confiança, o que, bem vistas as coisas, poderá ser uma forma de felicidade!, a mulher, essa bela e galante Maria Antonieta da Áustria, tê-lo-ia iludido milhentas vezes, com a volubilidade e versatilidade que historiadores autorizados lhe apontam. Luís XVI era, realmente, o pobre homem, como a esposa geralmente o nomeava, com demasiadas virtudes para reinar, se aceitarmos como boa a teoria do cínico Maquiavel. Ele não tinha as condições essenciais para poder vencer, dominar o terrível ambiente de rebeldia, de corrupção, de libertinagem, de espírito revolucionário latente para que foi arrojado pelo destino. Sinceramente religioso, cheio das melhores intenções para o seu povo, mas de carácter fraco, indeciso sempre quanto às atitudes políticas a tomar, era presa fácil para as intrigas, tanto dos cortesãos astuciosos como da própria rainha. Um inconsciente joguete nas mãos dos que o rodeavam. Tal o retrato que dele traçam unanimemente os cronistas. Filho do delfim Luís, neto de Luís XV, nasceu o infortunado Capeto, em 1754, na deslumbrante moldura de Versalhes. A morte do pai levou-o à situação, para si indesejável, de herdeiro directo da coroa, com manifesto desespero do avô: Esse balofo ente vai deitar tudo a perder!, teria dito dele o Bem-Amado, tempos antes do seu passamento.
Mas, se o avô não ficava satisfeito, parece que o desgosto do forçado herdeiro não era menor. A perspectiva de algum dia reinar nunca lhe agradara, no que também são unânimes em o reconhecer todos os seus biógrafos. Dir-se-ia que ele tinha a percepção intuitiva das dificuldades que iriam deparar-se-lhe e o destino de tragédia que o aguardava. O povo, porém, cansado de toda a sorte de escândalos da realeza e da aristocracia, depositava no gordo e apático príncipe, devido à grande reputação de virtudes que lhe engrinaldavam o espírito, as maiores esperanças. O seu casamento, ainda delfim, com a volúvel Maria Antonieta, nos princípios de 1770, acendera delirante entusiasmo na alma popular. O júbilo do povo atingiu quase as raias da loucura quando a formosa princesa austríaca fez a sua solene entrada em Paris, em Maio desse ano. A expectativa para um feliz reinado era, portanto, das melhores. Quatro anos após o seu auspicioso casamento, Luís XVI ascendia ao trono por morte do avô. É então, que ele profere a histórica frase de desespero: Sou o mais infeliz dos homens! Meu Deus, que fardo recebo na minha idade!
Nesse momento, que para tantos seria de glória e satisfação, tornou-se patente o seu desprazer do poder, para o qual não sentia a mais pequena espécie de aptidão. E, ao receber, mais tarde, a coroa na cabeça, comentou, num esgar, para o arcebispo de Reims: Ela incomoda-me! A época era, realmente, de temível subversão de ideias. O povo agitava-se numa ânsia de justiça social, de morigeração de costumes. A nação vivia numa impaciência permanente, a que os violentos desmandos dos soberanos e da aristocracia a tinham conduzido. Esses manifestos factores de desagregação monárquica constituíam, sem sombra de dúvida, fortes obstáculos a uma governação pública hábil, mas, para um timoneiro mais enérgico ou mais arguto, não eram de forma nenhuma insuperáveis. Bastava, de facto, que Luís XVI volvesse um olhar para o passado do reino, sempre envolvido ora em lutas intestinas ora em guerras com o exterior, para se fortalecer esperançosamente com a visão de outras provas bem mais difíceis que a monarquia atravessara já, por diversas vezes, e que galhardamente vencera». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de LCEditora/JDACT