Rendas
do Mar
«Ai!,
a pobre engomadeira,
não
pode, mesmo que queira,
nem
que leve a vida inteira,
com
o seu ferro, engomar
aquela
renda ligeira
que
tem o lençol do mar!
Viu
partir o seu amante
muito
apressado, ofegante,
no
seu batel arrogante
que
soube desafiar,
aquele
enorme gigante,
aquele,
dragão do mar !
Viu
as ondas, uma a uma,
a
desfazerem-se em espuma
e
o batel, como uma pluma
que
o vento leva no ar,
meter-se
por entre a bruma
para
nunca mais voltar.
E
andou soltando gemidos,
dias
inteiros, seguidos,
ouvindo
os roucos bramidos
que
as ondas sabem soltar,
mas
tudo passos perdidos,
tudo
sem ele chegar!
Um
certo dia, amanhece;
e
sem que alguém o soubesse,
junto
do mar aparece
com
seu ferro de engomar,
tão
contente, que parece
que
nunca soube chorar.
E
põe-se com todo o jeito,
com
toda a arte e preceito,
inclinada
sobre o peito,
com
seu ferro, a dar, a dar,
na
espuma, que sobre o leito
as
ondas deixam ficar.
É
que a pobre engomadeira,
que
amou em louca cegueira,
julga
que renda ligeira
que
tem o lençol do mar,
se
faz da mesma maneira
que
a dum lençol de noivar!»
Poema
de Frederico Brito, in ‘Terra
Brava’
In
J. Frederico Brito, Terra Brava, Versos, Empresa Nacional de Publicidade,
Lisboa, 1932.
Cortesia
ENPublicidade/JDACT