«Diogo Sousa, arcebispo e senhor de Braga,
durante vinte sete anos (1505-1532), considerado o novo fundador desta cidade, pela sua actividade
pastoral, cultural e humanismo cívico, é uma personalidade de relevo, com
interesse para a história da Igreja e para a história das ideias religiosas,
sócio-políticas, pedagógicas e artísticas desta época, a do primeiro Humanismo em
Portugal. Conhecidos são os estudos analíticos e documentais atinentes
à sua personalidade humana, à sua actividade apostólica e reformadora, à sua cultura,
ao seu mecenato e benemerência, à sua magnificência de antístite, às suas
múltiplas iniciativas inovadoras. Estes aspectos, apesar de contemplados em
estudos de notáveis pesquisadores, convidam-nos todavia a um novo olhar, de
diferente perspectiva que, porventura, nos surpreenda com alguma novidade sobre
a figura singular e fascinante do arcebispo Diogo Sousa. Incidindo o nosso
interesse sobre a imago principis do arcebispo bracarense, a sua
acção pastoral e reformadora, a sua acção governativa, apraz-nos poder
apreciar, à luz do ideário humanista, as manifestações pluriformes da
personalidade de um prelado que, desde o limiar da Idade Moderna, dirige a Arquidiocese
Primaz da Hispânia até à terceira década do século XVI, como um verdadeiro principe umanizzato do Renascimento.
Importa, todavia, enquadrar a figura de
Diogo Sousa na época que o viu nascer, que assistiu à sua formação, ao seu cursus
honorum, e apreciar o milagre
das suas realizações. Nascido em Évora em 1461,
fez os estudos elementares na sua terra natal e em Lisboa; cursou Cânones na
Universidade de Salamanca e Teologia na de Paris. Em Salamanca, por certo,
adquiriu a preparação em todalas artes e
sciencias que são necessárias à Teologia, para usar palavras suas,
referentes ao seu projecto educativo na cidade de Braga. Terá provavelmente
sido aluno de Élio António Nebrija, o introdutor do humanismo gramatical
e filológico na Universidade helmantina, onde ensina e se empenha em expulsar a
barbárie gótica, desde 1475, andava o
futuro arcebispo de Braga pelos seus catorze
anos. Era esta a idade, em que, feitos os estudos elementares, a
iniciação ao Latim, à Gramática, à Prosódia, a que andava associada a
aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, se podia entrar na Faculdade
de Artes, onde se prosseguia o estudo da Gramática latina, da estilística,
da métrica, mas sobretudo se estudava a Lógica e a Dialéctica, com vista a
obter o primeiro grau universitário, o bacharelato em Artes.
A Universidade de Paris, catedral europeia
da Teologia, apesar das resistências sorbónicas, tinha-se tornado permeável aos
studia humanitatis, na altura em que Diogo Sousa a frequentou,
com mestres como Guillaume Fichet, Guillaume Tardif, Robert Gaugin, a que
dariam continuidade Lefèvbre d’Étaples e Josse Clichtove. Regressado a
Portugal, na sua juventude, é já cónego da Sé de Évora, quando o monarca João
II o nomeia para o cargo de Deão da Capela Real. A viver na corte, tem
oportunidade de frequentar as aulas de Cataldo Parísio Sículo e
aperfeiçoar os seus conhecimentos de Retórica. Ao jovem prelado manifesta o
Humanista italiano estima e dedicação, nas quatro cartas e vinte e nove
epigramas que lhe dirige, para lhe fazer confidências ou se valer dos seus
préstimos. Diogo Sousa torna-se uma das mais ilustres figuras do reino, ao desempenhar
um proeminente papel em duas embaixadas à Cúria romana. A primeira embaixada,
em que participou, foi em 1493, a de
Fernando Almeida, bispo eleito de Ceuta, que, em nome do rei João II, prestou obediência
ao papa Alexandre VI, recentemente eleito. Permanece este prelado em Itália por
mais dois anos, período em que visita várias cidades e se demora em Roma e
Florença. Nesta capital da Toscana, assiste ao auge das pregações de Girolamo
Savonarola, o profeta desarmado, no
dizer de Maquiavel, que, desde 16 de Fevereiro de 1491, é pregador na Duomo,
a catedral de Santa Maria del Fiore, cuja nave pode acolher milhares de fiéis
sob a cúpula prodigiosa de Brunelleschi. Savonarola, personagem carismática,
na Florença dos Médicis, na Itália da Renascença, perturba os poderes instituídos,
entra em conflito com Lourenço o
Magnífico, combate o papa Bórgia, Alexandre VI, e seduz, com o seu
pensamento e espiritualidade, figuras como Giovanni Pico della Mirandola,
Marsilio Ficino, Boticelli, Miguel Ângelo e o poeta-jurista português Henrique
Caiado.
Em 24 de Setembro de 1494, morre em Florença Angelo Poliziano, que regia no Studio
a cadeira de Arte Poética e Oratória, mestre de um escol de portugueses, e
entre eles, os filhos de João Teixeira, em que avultam Luís Teixeira, mestre do
futuro João III, Aires Barbosa, Martim Figueiredo e o próprio Caiado.
Decorridos alguns meses, em 22 de Fevereiro de 1495, Carlos VIII, rei de França, avança com o seu exército sobre
Nápoles e põe em fuga o jovem rei Fernando II que, só em Julho, regressa à sua
cidade. Perante a ameaça de Carlos VIII, as negociações de Pedro Médicis com os
franceses, para afastar o perigo, levam à sublevação dos florentinos que
saquearam o palácio dos Médicis e destruíram a sua riqueza artística,
acontecimento dolorosamente notado pelos humanistas. Era este o panorama da
Itália que Diogo Sousa pôde contemplar! Durante esta sua missão diplomática,
Diogo Sousa é nomeado bispo do Porto, por bula de Alexandre VI, de 23 de
Outubro de 1495, dois dias antes
da morte de João II, ocorrida em Alvor-Algarve, no dia 25 deste mesmo mês».
In
Nair de Nazaré Castro, Soares, O
Arcebispo de Braga, Diogo Sousa, Principe Umanizzato do Renascimento. O seu
projecto educativo moderno, Revista Humanitas nº LXIII, Universidade de Coimbra, 2011, ISSN
0871-1569.
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