O casamento do primeiro rei de Portugal. A escolhida: Mafalda de
Mouriana
«(…) Contudo, a impedir a tentação, na casa real de Leão e Castela não
havia, disponível, mulher que conviesse ao rei de Portugal. As filhas do
imperador eram ainda crianças, tanto que só mais tarde haviam de contrair
matrimónio, Sancha com Sancho de Navarra (1153), herdeiro de Garcia Ramires IV
e Constança com Luís VII de França (1154). E mesmo que se considerasse
uma bastarda, que bem serviria à estratégia política de seus pais e irmãos, ainda
assim não se achava candidata em idade conveniente ao rei de Portugal. A filha
de Afonso VII e da condessa Urraca Fernandes, viúva do conde Rodrigo Martins (1138),
era ainda e apenas mais uma criança, que não servia aos objectivos mais
profundos do rei de Portugal. Então, a este só restava a busca de uma noiva na
Europa de além-Pirenéus. A escolha recaiu sobre uma filha de Amadeu III, conde
de Mouriana (1103-1148), como bem recordam os documentos do rei de Portugal,
seu genro, marquês na Itália e (1.º) conde de Saboia por concessão imperial, e
de dona Matilde de Albon. Pelo lado paterno, a esposa de Afonso Henriques era
neta de Humberto II de Mouriana e de Gisela de Borgonha (condal). Era, por
isso, simultaneamente prima de Luís VII, rei de França, através de sua tia
Adelaide, mulher de Luís VI, e ainda prima do imperador de Leão, embora em grau
mais afastado, pois o pai de Afonso VII, Raimundo de Borgonha (condal), era irmão
da citada Gisela de Borgonha, sua avó. Era ainda sobrinha-neta da imperatriz
Berta, esposa de Henrique IV, o da jornada de Canossa, episódio de reconciliação
entre aquele imperador e o papa Gregório VII. Segundo o cronista da Casa de
Saboia, Jean d’Orville (que escreveu no início do século XV), esta efectiva
aproximação da família ao Império ficou ainda patenteada num outro momento,
significativo também, e que foi a coroação imperial de Henrique V pelo papa
Pascoal II, em Roma, em 1111. Na
comitiva terá participado também o jovem Amadeu, futuro Amadeu III de Mouriana.
No entanto, a ilustração da família, bem como a sua paulatina ascensão,
pode marcar-se de bem longe, tendo ocorrido, a última, à sombra protectora do
Império. Foi nas peripécias sobrevindas à desanexação dos estados de Carlos
Magno e emergência do reino da Borgonha e sua passagem à esfera de influência
do Sacro Império Romano-Germânico que a família se começou a evidenciar, no
início do século X. Próxima do último rei de Borgonha e de sua viúva, foi em
virtude dessa aproximação ao Império que um antepassado de dona Mafalda (seu
tetravô, Humberto I, o das Mãos Brancas)
se tornou (o 1.º) conde de Mouriana, por mercê do imperador Conrado II. Seguiu-se
uma boa gestão dos interesses da família, quer na busca de significativas
relações matrimoniais, quer num sábio posicionamento em relação aos problemas
que dominaram o Império, mormente as relações com o papado. Pelas primeiras, e
ainda nesse século XI, a família de
Mouriana alcançou o vale de Susa e o Piemonte, possessões acompanhadas
de um engrandecimento da prosápia da família com o título de marquês de Susa ou marquês na Itália. O mesmo século veria uma filha da família,
Berta, ocupar o trono imperial, pelo seu casamento com Henrique IV. A fidelidade
da família no processo de Canossa valeu-lhe mais territórios, agora na região
de Vevey, rica pela sua posição estratégica entre a França, a Alemanha e a
Itália. Pela sua implantação, a esta família estava atribuída a
responsabilidade da guarda das gargantas do Mont-Cenis e do Mont-Joux (Grande
São Bernardo). Pela via do matrimónio do herdeiro da casa, Amadeu II, a
família veria chegar-lhe as regiões de Seyssel e Valromey, advindas do dote de
Joana de Genebra, sua esposa.
Na geração seguinte, a política matrimonial da família levaria ainda ao
consórcio de Humberto II com Gisela da Borgonha, que havia de fazer dele cunhado
de Guigo de Borgonha, arcebispo de Vienne, o futuro papa Calisto II e o grande
vencedor da questão das investiduras,
com a assinatura da concordata de Worms, em 23 de Setembro de 1122. No século XI ficava assim definido
o âmbito territorial dos de Mouriana.
O último detentor do título nesse século (Humberto II) logrou sabiamente
organizar os seus domínios, chamando à fidelização à família condal os vários
potentados locais, laicos e eclesiásticos. Já no século XII, o seu lustre
alcançava uma outra razão para mais brilhar. Adelaide, irmã de Amadeu III de
Mouriana (o que viria a ser pai de
Mafalda, rainha de Portugal), casava com Luís VI, rei de França; a sua
influência alargava-se e os laços de família abriam-lhe outras portas, a juntar
às do Império. Seu filho e sucessor, Humberto III, havia de prosseguir esta
política, tendo concertado o casamento da outra irmã sua, Alice, com o futuro João
Sem-Terra, enlace que, todavia, não se chegaria a consumar pelo falecimento
prematuro da jovem de Mouriana». In As Primeiras Rainhas, Maria Alegria
Fernandes Marques, Mafalda de Mouriana, 1133?-1158, Círculo de Leitores, 2012,
ISBN 978-972-42-4703-8.
Cortesia de CLeitores/JDACT