«Ser
jovem enquanto velha. Velha enquanto jovem»
A
pequena casa na floresta
«Ah minha Criatura admirável... Seja
bem-vinda... Entre, entre... Estou esperando por si... É, por você e pelo seu
espírito! Fico feliz por ter conseguido encontrar o caminho... Venha, sente-se
comigo um pouco. Pronto, vamos fazer uma pausa, deixando de lado todos os
nossos inúmeros afazeres. Haverá
tempo suficiente para todos eles mais tarde. Num dia distante, quando chegarmos
às portas do paraíso, posso lhe garantir que ninguém nos vai perguntar se
limpamos bem as ranhuras na calçada. O que é mais provável é que no portal do
paraíso queiram saber com que intensidade escolhemos viver; não por quantas
ninharias de grande importância nos
deixamos dominar. Por isso vamos, por enquanto, permitir apenas que o pensamento
tranquilo nos abençõe por um tempo antes que voltemos a falar sobre o velho realejo
do mundo... Venha, experimente essa poltrona. Acho que é perfeita para o seu
corpo querido. Pronto. Agora, respire bem fundo..., deixe os ombros caírem até ao
ponto que lhes seja natural. Não é bom
poder respirar esse ar puro? Respire fundo mais uma vez. Vamos... Eu espero...
Viu? Está mais calma, mais
presente agora. Preparei a lareira perfeita para nós. O fogo vai durar a noite
inteira, suficiente para todas as nossas estórias
dentro de estórias. Um momentinho só, enquanto termino de lavar a mesa com
menta fresca. Pronto, vamos usar a louça bonita. Vamos beber o que estávamos
reservando para uma ocasião especial.
Sem dúvida, uma ocasião especial é
qualquer ocasião à qual a alma esteja presente. Já percebeu? Reservar
para outra hora é o jeito que o ego tem de dizer, rabugento, que não acredita
que a alma mereça prazer no dia-a-dia. Mas ela merece, de verdade. A alma sem
dúvida merece. Por isso vamos nos sentar um pouco, comadre, só nós duas..., e o
espírito que se forma sempre que duas almas ou mais se reúnem com apreço mútuo,
sempre que duas mulheres ou mais falam de assuntos
que importam de verdade". Aqui, neste refúgio afastado, permite-se...,
e espera-se que a alma diga o que pensa. Aqui a sua alma estará em boa
companhia. Posso garantir-lhe que, ao contrário de muitas no mundo lá fora, aqui
a sua alma está em segurança. Fique tranquila, comadre, sua alma está a salvo.
Talvez
você tenha vindo à minha porta por estar interessada em viver de modo que a
abençoe com a perspectiva de, como eu digo, ser jovem enquanto velha e velha
enquanto jovem, o que significa estar plena de um belo conjunto de
paradoxos mantidos em perfeito equilíbrio. Está
lembrada? A palavra paradoxo significa uma ideia
contrária à opinião de aceitação geral. E o que acontece com a grand mère, a maior das mulheres, a
grande madre..., porque ela é uma sábia em preparação, que mantém unidas as
grandes e totalmente úteis capacidades aparentemente ilógicas da psique
profunda. Os atributos paradoxais do que é grande são principalmente ser sábia
e ao mesmo tempo estar sempre à procura de novos conhecimentos; ser cheia de
espontaneidade e confiável; ser loucamente criativa e obstinada; ser ousada e precavida;
abrigar o tradicional e ser verdadeiramente original. Espero que entenda que
todos esses atributos se aplicam a vós de modo geral e em detalhes, como algo em
potencial, meio realizado ou já perfeitamente formado. Se você sente interesse
por essas contradições divinas, sente interesse pelo arquétipo misterioso e
irresistível da mulher sábia, do qual a avó é uma representação simbólica. O
arquétipo da mulher sábia pertence a mulheres de todas as idades e manifesta-se
sob formas e aspectos singulares na vida de cada mulher. Falar da imagem
profunda da grande avó como um dos principais aspectos do arquétipo da mulher
sábia não é falar de alguma idade cronológica ou de algum estágio na
vida das mulheres. A grande perspicácia, a grande capacidade de premonição, a
grande paz, expansividade, sensualidade, a grande criatividade, argúcia e
coragem para o aprendiz, ou seja, ser sábia não chega de repente perfeitamente
formada e se molda como uma capa sobre os ombros de uma mulher de determinada
idade. A grande clareza e percepção, o grande amor que tem magnitude, o grande
autoconhecimento que tem profundidade e amplitude, a expansão da aplicação
refinada da sabedoria..., tudo isso é sempre uma obra em andamento, não importa quantos anos de vida a mulher tenha
acumulado. Os fundamentos do que é grande,
em oposição ao que é apenas comum,
são conquistados no início da vida, no meio ou mais tarde..., muitas vezes
mediante enormes fracassos, elevações do espírito, decisões equivocadas e
recomeços impetuosos». In Clarissa Pinkola Estés, A Ciranda das
Mulheres Sábias, tradução de Waldea Barcellos, Editora Rocco, 2007, ISBN
978-853-252-150-7.
Cortesia de ERocco/JDACT