«(…) O primeiro templo existente naquela cidade em louvor de
Sant’lago, com efeito, ao que nos reportam Otero Pedrayo e Chamoso Lamas, tinha
sido arrasado por Almansor que, mesmo assim, havia respeitado a tumba.
Foi na sequência desses desmandos que, em 1003,
se havia consagrado ao Apóstolo uma nova igreja, reconstruída. E várias dezenas
de anos depois, mais precisamente em 1075,
começava-se, com Diogo Peláez, a edificação da actual basílica,
protótipo das igrejas de peregrinação, que viria a adquirir uma singular
exuberância artística no tempo do bispo Gelmires.
Sabe-se muito pouco acerca desse período de vida do conde
Henrique em que encetou tal viagem. Humberto Baquero Moreno refere-nos, apenas,
que dois anos antes, ou seja em Fevereiro de 1095, o conde, com cerca de 30 anos, aparece casado com dona
Teresa, filha de Afonso VI, rei de Leão e Castela. E poucos meses antes de
efectivar tal peregrinação a Compostela, ou seja em 24 de Abril de 1096, surge-nos como senhor de Braga.
Nessa altura, sabemos que é arcebispo dessa cidade, por documento do Liber
Fìdei (n.º 685), datado de 8 de Maio desse ano e recentemente
dado à estampa por Avelino Jesus Costa, o bispo Geraldo. Desse fólio consta que
um tal Adilbergo, de apelido Boa, doa à
Sé de Braga um casal em Aveleda (concelho de Braga).
Aquela data de 1095
em que nos é dada, por documentos precisos, a época aproximada em que o conde
Henrique se casou com dona Teresa é, no dizer de Baquero Moreno, a primeira
data segura em que Henrique aparece na Península. E utilizando nós aqui, numa
perspectiva de investigação iconográfica, o método de reeonstituição (a partir do mais ínfimo pormenor) utilizado pelo
arqueólogo, detenhamo-nos sobre a iluminura que António Holanda e Simão Bening
vieram a elaborar com vista à Genealogia
do Infante Fernando.
Esses autores, quando se detiveram sobre a caracterização
genealógica de Afonso Henriques, e debruçando-se em particular sobre a vida do
conde Henrique, tiveram ensejo de nos mostrar, entre outros pontos, que essa genealogia
(integrando uma dúzia de fólios iluminados) lhes foi mandada executar pelo infante
Fernando, que viveu entre 1507 e 1534. Ora, Martim Albuquerque e João
Paulo Abreu Lima, quando se empenharam em descodificar a linguagem-visual, por
vezes um tanto cerrada, destas iluminuras (que constituem verdadeiras
obras-primas), questionaram-se, entre outros casos, com o das personagens e
situações que integram o fólio votado ao conde Henrique (fólio 7).
Após um aturado estudo, esses autores concluíram que António
Holanda e Simão Bening pretenderam, através daquelas imagens (em particular das
duas laterais inferiores), fazer crer o seguinte: ...inclinamo-nos a ver na bordadura
inferior dois episódios, atenta a descontinuidade temática... Os episódios
conotam-se naturalmente com o conde D. Henrique, por dupla razão, porque este é
a figura principal e porque em ambos os lados na bordadura inferior se
descortina a sua bandeira (de branco com uma cruz firmada de azul).., A
representação dos navios pode figurar a partida do conde D. Henrique para a
Terra Santa como o seu regresso, ou até a sua partida originária em direcção a
Península.
Este fólio permite-nos admitir, embora não sem alguma margem
de erro, que data da primeira metade do século XVI a primeira imagem que
conhecemos alusiva (embora hipoteticamente) à primeira fase da vida do conde
Henrique na Península por altura do seu casamento, logo após a sua chegada, com
cerca de 30 anos. Então os mais
antigos testemunhos iconográficos do pai de Afonso Henriques no então Condado
Portucalense? Onde se situam?
Já se procedeu à sua identificação?
Ao que nos foi dado apurar, o mais antigo documento que se possui a tal respeito
é uma miniatura existente precisamente no Arquivo da Catedral de Sant’lago de
Compostela, que data do século XIII, não tendo sido composta, segundo tudo leva
a supor, mais de um século e meio depois da morte do conde Henrique em 1112». In Manuel Cadafaz Matos, O Culto
Português a Sant’Iago de Compostela ao longo da Idade Média, Peregrinações de
homenagem e louvor ao túmulo e à cidade do Apóstolo entre o século XI e século
XV, Instituto Português do Património Cultural, Lisboa, 1985.
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