«Aristóteles, filho de Nicómaco e
de Féstias, era oriundo de Estagira. Seu pai, Nicómaco, era filho de um outro
Nicómaco, por sua vez filho de Macaon e descendente de Esculápio. Este Nicómaco
era da estima de Amintas, rei da Macedónia, junto do qual viveu, por causa dos
conhecimentos que possuía em medicina. Aristóteles foi o mais notável dos discípulos
de Platão. Era um pouco tartamudo. De pernas muito delgadas, segundo
consta, tinha os olhos pequenos, gostava de vestir com sumptuosidade e rapava a
barba. Teve um filho. Nicómaco, de sua mulher Herpília. Abandonou Platão, sendo
este ainda vivo, o que levou Platão a afirmar que Aristóteles o espezinhara
como um potro, que dá uma parelha de coices na mãe. Quando Aristóteles se deslocou
junto de Filipe na qualidade de embaixador de Atenas, Xenócrates assumiu a direcção
da Academia. Ao regressar, Aristóteles, vendo o seu lugar ocupado procurou no Liceu
um lugar para passear e para filosofar com os discípulos enquanto passeavam. De
onde a sua escola haver recebido o nome de peripatética, enquanto outros
pretendem ver a origem deste nome no facto de ele passear enquanto conversava
com Alexandre, que convalescia de uma doença. Logo que começou a ter um maior número
de ouvintes, passou a ensinar sentado, e dizia: Seria indecente se me calasse e deixasse falar Xenócrates. Exercitava
os discípulos na discussão de uma proposta questão, e além disso também lhes ensinava
retórica.
Mais tarde foi visitar o eunuco
Hermias, tirano de Atarneia. Pretende-se que Hermias era seu favorito, mas há quem
afirme que ele se tornou seu parente por ter desposado sua filha ou sua sobrinha.
Demétrio também declara que este Hermias foi escravo de Eubulo, oriundo da Bitínia,
e assassino do seu senhor. Por outro lado, Aristipo, no primeiro livro dos Prazeres dos Antigos, afirma que
Aristóteles se enamorou da concubina de Hermias, e que com a permissão deste
casou com ela, tornando-se tão feliz, que chegou a oferecer-lhe sacrifícios ao
modo como faziam os Atenienses a Deméter de Elêusis, e que escreveu para
Hermias um hino. A seguir, Aristóteles viajou para a Macedónia, para a corte de
Filipe, que lhe entregou o preceptorado de seu filho Alexandre. Solicitou deste
príncipe relevasse a sua pátria destruída por Filipe, e logrou a causa.
Elaborou leis para os seus compatriotas. À imitação de Xenócrates, deu também um
regulamento à sua escola, decidindo que um chefe escolar seria nomeado de dez
em dez dias. Logo que achou já ter passado muito tempo junto de Alexandre,
Aristóteles regressou a Atenas, depois de haver recomendado o seu familiar Calísteno
de Olinto ao príncipe. Acerca desta personagem, diz-se que Aristóteles o
censurou por usar perante o monarca de uma grande liberdade de linguagem, e
que, em vista de Calísteno não aceitar o seu conselho, o repreendeu nos
seguintes termos: Depressa morrerás,
meu filho, se falares como falas.
O que deveras aconteceu. Foi
acusado de participação na conjura de Hermolau contra Alexandre, encerrado
.numa gaiola de ferro, abandonado aos bichos e, por fim, lançado aos leões que
limparam os restos. Nessa altura Aristóteles voltou a Atenas, dirigiu a escola
durante treze anos, e depois saiu em segredo para Calcis, dado ter sido acusado
de impiedade pelo hierofante Eurimédon ou por Demófilo, por causa de um hino
que Aristóteles compusera acerca de Hermias, e por causa de um epigrama que
escrevera acerca de uma estátua de Delfos, e que dizia: Esse homem aí, com impiedade e violação da justiça divina, foi morto
pelo rei dos Persas que trazem o arco; não foi vencido lealmente à lança num combate
mortal, mas por um golpe pérfido e à má fé. Morreu nesta região, ao que
consta, depois de haver bebido cicuta com a idade de setenta anos. O mesmo
autor afirma que foi discípulo de Platão na idade de trinta anos, no que se engana,
pois que de facto foi discípulo de Platão desde a idade de dezassete anos, tendo
vivido sessenta e três anos. Quanto ao hino mencionado, ei-lo:
«Virtude de aquisição tão difícil,
a mais bela caça que um homem pode
cobiçar,
tu és bela, ó jovem,
e é uma graça invejada na Grécia
morrer por ti,
e sofrer sem ceder os males maiores,
tanto
tu pões nas almas.
Um fruto imortal superior ao oiro,
aos pais e ao suave repouso.
Foi por ti que Hércules e o filho
de Leda
suportaram tantos sofrimentos.
Foi por te desejar que Aquiles
e Ajax às moradas do Hades,
vieram, e foi ainda por amor.
Pela tua beleza que um ateniense perdeu
a vida,
sendo por isso que é ilustre
e será imortalizado pelas Musas,
filhas de Mnémosina,
que exaltam a raça, a amizade, a
glória do poderoso Zeus hospitaleiro».
Acerca de Aristóteles escrevi o seguinte
poema:
«Aristóteles foi um dia acusado de
impiedade
por Eurimédon, sacerdote de Deméter,
deusa dos mistérios.
Bebendo a cicuta, escapou: foi o
modo
de se livrar de injustas calúnias
com uma exígua pena».
In Organon, A Vida de Aristóteles (segundo
Diógenes Laércio), tradução de Pinharanda Gomes, Lisboa, Guimarães Editores,
1985.
Cortesia de GuimarãesE/JDACT