Apólogos
e Contos. 1943-1958. O homem que se chamava Teresa
«Desci da calçada, recuei uns passos, olhando para cima, e,
chegando no meio da rua, levei as mãos à boca, como um megafone, e gritei para
os últimos andares do prédio: - Teresa! A minha sombra se assustou com a lua e
se agachou entre os meus pés. Passou alguém. Chamei de novo: Teresa! A pessoa se
aproximou, disse: Se não chamar mais alto não vão escutar. Vamos tentar nós
dois. Assim: conto até três, no três gritamos juntos. E disse: Um, dois, três. E
juntos gritámos: Tereeeesaaa! Passou um grupinho de amigos que voltavam do
teatro ou do café e viram nós dois chamando. Disseram: Bom, também podemos ajudar
com a nossa voz. E também foram para o meio da rua e o primeiro dizia um, dois,
três e então todos gritavam em coro: Te-reee-saaa! Passou mais um e juntou-se a
nós; quinze minutos depois estávamos reunidos num grupo, uns vinte, quase. E de
vez em quando chegava mais um. Não foi fácil chegarmos a um acordo para
gritarmos direito, todos juntos. Havia sempre um que começava antes do três ou que demorava demais, mas no
final já conseguíamos fazer alguma coisa benfeita. Combinou-se que Te seria dito baixo e longo, re, agudo e longo, e sa, baixo e breve. Funcionou muito bem.
Mas, vez por outra, havia uma briga porque alguém desafinava. Já começávamos a
perder o fôlego quando um de nós, que a julgar pela voz devia ter a cara cheia
de sardas, perguntou: Mas vocês têm certeza de que ela está em casa? Eu não,
respondi. Que confusão, disse um outro. Esqueceu
a chave, não é? Na verdade, disse eu, estou com a chave aqui. Então, me
perguntaram, por que não sobe?
Mas eu nem moro aqui, respondi. Moro no outro lado da cidade. Mas então,
desculpe a curiosidade, perguntou circunspecto
o sujeito da voz cheia de sardas, quem
é que mora aqui? Para falar a verdade, não sei, disse eu. Houve um
certo descontentamento ao redor. Mas então se se pode saber, perguntou outro
com a voz cheia de dentes, por que está chamando
Teresa aqui de baixo? Por mim, respondi, também podemos chamar outro nome,
ou em outro lugar. Não custa nada. Os outros estavam meio aborrecidos. O senhor
não teria desejado fazer uma
brincadeira connosco?, perguntou o das sardas, desconfiado. Eu, hein!, disse,
ofendido, e me virei para os outros para pedir que confirmassem as minhas boas
intenções. Os outros ficaram calados, mostrando não terem captado a insinuação.
Houve um instante de constrangimento. Vejamos, disse um deles, bondoso. Podemos
chamar Teresa mais uma vez, e depois vamos para casa. E chamámos mais uma vez,
um, dois, três, Teresa!, mas já não deu muito certo. Depois nos dispersámos, uns
por aqui, outros por ali. Eu já havia chegado à praça quando tive a impressão de
ainda ouvir uma voz que gritava: Tee-reee-sa! Alguém deve ter ficado chamando, obstinado».
In
Italo Calvino, Um General na Biblioteca, Prima che tu dica Pronto, 1993, tradução
de Rosa Aguiar, Companhia das Letras, Companhia de Bolso, 2010, ISBN 978-85-359-1699-7.
Cortesia
CLetras/JDACT