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Era seu dever, enquanto descendentes dos Lascaris, trazer de novo aqueles objectos
sagrados para o seio da família. Um ror de histórias contou Eudóxia a seus
filhos, algumas misturadas com muitas e comoventes lágrimas, que escorreram lentamente
nas suas faces enrugadas. Parecia que já não lhe restava muito tempo e que
queria despejar de supetão toda a sua vida e todas as suas aflições para cima
deles. Falou-lhes Eudóxia de seu avô, o imperador Teodoro II Ducas Lascaris de
Niceia, que dirigiu o império de 1254 a 1258. Do fim do império de
Niceia em 1261, e do seu casamento
em Constantinopla, em 1263, por ordem
do imperador Miguel VIII Paleólogo, com Guillermo Pedro de Tende, 1º conde de
Ventimiglia, na Ligúria, região de Génova, ainda não tinha 10 anos de idade.
Três anos depois nasceria Juan e depois todas as raparigas Vataça, Lucrécia,
Beatriz e Violante. Mas o seu casamento com o conde Guillermo Pedro correra mal
e Eudóxia seria obrigada a abandonar Ventimiglia com seus cinco filhos, tendo
sido acolhida, cerca de 1280 / 1281, não se recordava bem,
na corte de Pedro III de Aragão, ele próprio seu familiar, casado com
Constança, filha de Constança de Hohenstaufen, antiga imperatriz de Niceia.
Vataça estava atónita com as palavras de sua mãe e principalmente com as
últimas afirmações em relação à expulsão de todos da casa de seu pai. A versão
que lhe havia sido contada, quanto à partida de Ventimiglia para Aragão, tivera
como principais razões a luta entre a França e a Inglaterra pelo controlo dos
territórios da Ligúria e do condado de Anjou. O permanente estado de guerra
daqueles territórios teria levado, aprendera ela, Guillermo Pedro, seu pai, por
receio e precaução em relação à segurança da sua família, primeiro a preparar e
depois a obrigar sua mulher e seus cinco jovens filhos a partirem para Aragão,
para ficarem protegidos na Corte de Jaime I.
Era
mulher de Jaime I, Maria de Montpellier, filha de Eudóxia Komenos, princesa de
Constantinopla e familiar muito chegada dos Lascaris. Mas afinal não tinha sido
assim. Tinham sido repudiadas por seu pai. Porquê? Valeu-lhes na ocasião o rei
Pedro III de Aragão, filho de Jaime I, que os acolheu na corte e outorgou a
Eudóxia Lascaris algumas rendas no reino de Valência e no Call ou bairro judeu de
Barcelona. Eudóxia tinha residência em Játiva mas também passava muito do seu
tempo em Castellon, em Zaragoça e também em Barcelona. Mais tarde Jaime II de
Aragáo, segundo filho de Pedro III, encarregou-a de várias missões diplomáticas
ao serviço da coroa aragonesa. Na corte de Aragão encontraram então a infanta e
princesa Isabel, que viria a ser rainha de Portugal, filha do rei de Aragão
Pedro III e de Constança da Sicília. Mas todas elas, Isabel, Vataça, as suas
irmãs e seu irmão de há muito ligadas por laços familiares. Eram primos em
sétimo grau. Todas pequenas princesas lindas e um pequeno príncipe, também
lindo, dizia Eudóxia com a emoção estampada no rosto. Eram o encanto da corte e
a alegria de todos. Já Vataça, ainda que assaz humilde, tinha aquela postura de
liderança, de quem sabia o que queria e exercia sobre as suas amigas e irmãs
uma preponderância indisfarçável. Eudóxia permitia então que um ligeiro e
tímido sorriso aflorasse aos seus lábios, enquanto deixava discorrer a sua
imaginação...
Do
cansaço e da emoção das recordações da vida, Eudóxia adormeceu. Vataça recolheu
aos seus aposentos. Estava cansada da viagem, a saúde de sua mãe e as histórias
que atentamente ouvira tinham exercido uma enorme pressão sobre a sua mente.
Levou tudo consigo para a cama. Durante várias horas pensou demoradamente nas
palavras de sua mãe e não conseguiu dormir. Viajar a Constantinopla e a Niceia
ao encontro de seu tio João Lascaris em busca de um tesouro, da tal Cruz do
Santo Lenho e da Cabeça-Relicário de S. Fabiano era algo assustador e
questionava-se se estaria preparada para responder a tal desafio. Medo era
coisa que nunca sentira, era mais a significação misteriosa desses objectos
sagrados que lhe faziam alguma confusão. Sabia lá se seu tio João, que não
conhecera em tempo algum, seria vivo
ou morto ou sequer onde se encontraria? E que objectos sagrados eram esses?» In Francisco do Ó Pacheco,
Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
Cortesia
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