terça-feira, 19 de maio de 2015

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «… não eram as mães que se ocupavam da criação dos varões reais, mas pessoas nobres especialmente designadas para essa função. Apesar de a tradição garantir a uma rainha um certo poder de decisão…»

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«(…) Só quando a infanta ficava grávida, e mais precisamente quando dava à luz um filho varão, podia considerar-se que a aliança entre o reino de Portugal e o do marido da infanta tinha tido êxito. Portanto, uma princesa ou rainha consorte estéril ou que não tivesse descendência, não tinha qualquer valor. Isso podia acarretar-lhe graves danos pessoais. No melhor dos casos, ser marginalizada pela corte, e no pior, regresso a Portugal por anulação do vínculo. A Igreja, severa defensora da indissolubilidade do matrimónio em quase todos os casos, admitia essa possibilidade sob certas circunstâncias, depois de três anos de convivência sob o mesmo tecto sem que houvesse descendência. A particularidade de que tanto o reino de Leão como o de Castela tenham aceitado em princípio que uma mulher pudesse ocupar o trono, evitou a várias infantas portuguesas humilhações que outras monarcas consortes de outros reinos europeus sofreram, por terem tido apenas filhas. Mas qualquer soberana, uma vez cumprida a sua primeira obrigação, a de dar um herdeiro ao trono, tinha de revalidar constantemente o poder que essa condição lhe dava, por um lado, dando ao seu marido todos os filhos, e melhor ainda se fossem varões, que lhe fosse possível, prováveis substitutos do primogénito se este morresse, numa época em que, por um lado, a elevada mortalidade afectava os altos estratos sociais quase do mesmo modo que afectaya as outras pessoas, e por outro fazendo assim frente a constantes desafios para que a sua influência não decaísse. Em primeiro lugar, em relação ao rei. Como esposa e primeira súbdita, devia-lhe fidelidade e lealdade. A interessante e pouco conhecida história dos matrimónios de infantas portuguesas com reis hispânicos apresenta um dos raríssimos casos registados em que uma rainha católica foi publicamente infiel ao marido; e pagaria esse deslize com o seu enclausuramento e a ruína da filha, a infeliz Excelente Senhora. Por outro lado, todas as rainhas consortes tinham de aceitar as infidelidades do rei, que quase sempre tinham como resultado, nesses tempos, o nascimento de bastardos. O tratamento por concubina real chegou inclusivamente a estar legislado pelas Partidas (século XIII). Enquanto os filhos ilegítimos do monarca eram pequenos, a rainha consorte estava exposta a lidar com as respectivas mães e com os seus parentes, sobretudo nos casos, que eram habituais, em que a dama em questão pertencia à alta nobreza, e os que a rodeavam se mostravam tão soberbos como ávidos. Quando esses bastardos chegavam à idade adulta, tornavam-se não só uma ameaça constante para a rainha mas também, e principalmente, para os seus filhos. As infantas portuguesas que casaram com reis castelhanos não tiveram de sofrer demasiado com esse problema. Nenhum bastardo real se permitiu humilhar uma rainha vinda do outro lado da raia, se exceptuarmos os filhos ilegítimos da relação estável que Afonso XI de Castela teve com Leonor Gusmão, humilhação que levou a avó da rainha, Isabel de Aragão, a Rainha Santa, a deslocar-se a Castela para pedir ao monarca que se comportasse com correcção em relação à sua neta, sem que no entanto as suas palavras tenham surtido o efeito desejado.
A segunda frente que se abria a uma rainha consorte mal se instalava no seu novo reino, era a família do monarca. O relacionamento da rainha com a mãe do marido nunca foi fácil, e nalguns casos terminou em tragédia. Isso sucedia porque na maioria dos casos as infantas eram jovens e sem experiência, enquanto com a sogra acontecia exactamente o contrário. No melhor dos casos, pelo menos a princípio, as sogras tentavam influir nas noras. E também não eram fáceis as relações das rainhas consortes com os seus cunhados, quer fossem os irmãos do marido quer fossem as mulheres deles. Se uma rainha consorte não conseguisse ter rapidamente um herdeiro, tinha de se preparar para as intrigas cortesãs, que tentavam privilegiar a mulher de um irmão mais novo do rei, que já fosse mãe de um varão. Por mais filhos varões que a rainha desse ao monarca, isso não lhe garantia tranquilidade. Enquanto o herdeiro fosse ainda recém-nascido, porque tinha de negociar com as outras instâncias do poder na corte a que mãos iria ser entregue durante os primeiros anos de vida, já que não eram as mães que se ocupavam da criação dos varões reais, mas pessoas nobres especialmente designadas para essa função. Apesar de a tradição garantir a uma rainha um certo poder de decisão sobre a escolha do encarregado da criatio do seu filho até aos sete anos, nessa escolha desempenhava um importante papel o rei, obviamente, mas também a sogra, os cunhados, os membros das duas ou três famílias de mais alta linhagem do reino e as autoridades eclesiásticas mais importantes. E o mesmo sucedia em relação à escolha de aios e mestres para a educação e instrução, dos sete aos catorze anos». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT