«(…)
Só quando a infanta ficava grávida, e mais precisamente quando dava à luz um
filho varão, podia considerar-se que a aliança entre o reino de Portugal e o do
marido da infanta tinha tido êxito. Portanto, uma princesa ou rainha consorte
estéril ou que não tivesse descendência, não tinha qualquer valor. Isso podia
acarretar-lhe graves danos pessoais. No melhor dos casos, ser marginalizada pela
corte, e no pior, regresso a Portugal por anulação do vínculo. A Igreja, severa
defensora da indissolubilidade do matrimónio em quase todos os casos, admitia
essa possibilidade sob certas circunstâncias, depois de três anos de
convivência sob o mesmo tecto sem que houvesse descendência. A particularidade
de que tanto o reino de Leão como o de Castela tenham aceitado em princípio que
uma mulher pudesse ocupar o trono, evitou a várias infantas portuguesas humilhações
que outras monarcas consortes de outros reinos europeus sofreram, por terem
tido apenas filhas. Mas qualquer soberana, uma vez cumprida a sua primeira obrigação,
a de dar um herdeiro ao trono, tinha de revalidar constantemente o poder que
essa condição lhe dava, por um lado, dando ao seu marido todos os filhos, e
melhor ainda se fossem varões, que lhe fosse possível, prováveis substitutos do
primogénito se este morresse, numa época em que, por um lado, a elevada
mortalidade afectava os altos estratos sociais quase do mesmo modo que afectaya
as outras pessoas, e por outro fazendo assim frente a constantes desafios para
que a sua influência não decaísse. Em primeiro lugar, em relação ao rei. Como esposa
e primeira súbdita, devia-lhe fidelidade e lealdade. A interessante e pouco
conhecida história dos matrimónios de infantas portuguesas com reis hispânicos
apresenta um dos raríssimos casos registados em que uma rainha católica foi
publicamente infiel ao marido; e pagaria esse deslize com o seu enclausuramento
e a ruína da filha, a infeliz Excelente Senhora. Por outro lado,
todas as rainhas consortes tinham de aceitar as infidelidades do rei, que quase
sempre tinham como resultado, nesses tempos, o nascimento de bastardos. O tratamento
por concubina real chegou
inclusivamente a estar legislado pelas Partidas (século XIII). Enquanto
os filhos ilegítimos do monarca eram pequenos, a rainha consorte estava exposta
a lidar com as respectivas mães e com os seus parentes, sobretudo nos casos,
que eram habituais, em que a dama em questão pertencia à alta nobreza, e os que
a rodeavam se mostravam tão soberbos como ávidos. Quando esses bastardos
chegavam à idade adulta, tornavam-se não só uma ameaça constante para a rainha
mas também, e principalmente, para os seus filhos. As infantas portuguesas que
casaram com reis castelhanos não tiveram de sofrer demasiado com esse problema.
Nenhum bastardo real se permitiu humilhar uma rainha vinda do outro lado da raia,
se exceptuarmos os filhos ilegítimos da relação estável que Afonso XI de
Castela teve com Leonor Gusmão, humilhação que levou a avó da rainha, Isabel de
Aragão, a Rainha Santa, a
deslocar-se a Castela para pedir ao monarca que se comportasse com correcção em
relação à sua neta, sem que no entanto as suas palavras tenham surtido o efeito
desejado.
A
segunda frente que se abria a uma rainha consorte mal se instalava no seu novo
reino, era a família do monarca. O relacionamento da rainha com a mãe do marido
nunca foi fácil, e nalguns casos terminou em tragédia. Isso sucedia porque na
maioria dos casos as infantas eram jovens e sem experiência, enquanto com a
sogra acontecia exactamente o contrário. No melhor dos casos, pelo menos a
princípio, as sogras tentavam influir nas noras. E também não eram fáceis as relações
das rainhas consortes com os seus cunhados, quer fossem os irmãos do marido
quer fossem as mulheres deles. Se uma rainha consorte não conseguisse ter
rapidamente um herdeiro, tinha de se preparar para as intrigas cortesãs, que
tentavam privilegiar a mulher de um irmão mais novo do rei, que já fosse mãe de
um varão. Por mais filhos varões que a rainha desse ao monarca, isso não lhe
garantia tranquilidade. Enquanto o herdeiro fosse ainda recém-nascido, porque
tinha de negociar com as outras instâncias do poder na corte a que mãos iria
ser entregue durante os primeiros anos de vida, já que não eram as mães que se
ocupavam da criação dos varões
reais, mas pessoas nobres especialmente designadas para essa função. Apesar de
a tradição garantir a uma rainha um certo poder de decisão sobre a escolha do
encarregado da criatio do seu
filho até aos sete anos, nessa escolha desempenhava um importante papel o rei,
obviamente, mas também a sogra, os cunhados, os membros das duas ou três
famílias de mais alta linhagem do reino e as autoridades eclesiásticas mais
importantes. E o mesmo sucedia em relação à escolha de aios e mestres para a
educação e instrução, dos sete aos catorze anos». In Marsilio Cassotti, Infantas de
Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.
Cortesia
ELivros/JDACT