«Este
estudo tem como objecto o automóvel que se encontra no Museu Municipal de
Portalegre. Segundo a tradição teria sido a primeira viatura do género a circular
na cidade, contudo, a escassez de informações dificultou apurar a veracidade
das fontes orais. A fim de colmatar esta carência de informação, levámos a cabo
uma pesquisa que nos aproximasse da origem deste tipo de viaturas e do percurso
da Voiturette
de José Barahona, desde a fábrica até à sua chegada a Portalegre. Procurámos
também determinar o valor patrimonial da Voiturette na esfera da
historiografia da cidade e do pioneirismo da utilização deste tipo de
transporte em Portugal.
A
afirmação do automóvel na viragem do século
Pierre
Souvestre na sua Histoire de l’Automobile
de 1907, inicia a obra com uma frase emblemática de Roger Bacon: poderemos um dia construir carros que
poderão ser postos em movimento sem o emprego da força ou da tracção de um
cavalo ou qualquer outro animal. Esta frase demonstra um pensamento, que
não é mais, que o ponto de partida que originou a procura do ser humano pela
sua progressiva autonomia face à força animal de modo facilitar a sua
mobilidade. A comercialização em grande escala do automóvel para fins particulares,
começa em França no ano de 1891
através da marca Panhard-et-Levassor, que inaugura a primeira fábrica de
produção automóvel do mundo, sendo construtores de carroçarias equipadas com
motores alemães Daimler. Apesar desta indústria conhecer uma produção em grande
escala em França, o automóvel nos moldes em como hoje o conhecemos deve a sua
concepção ao engenho de três inventores alemães Gottileb Daimler (1834-1890),
Wilhelm Maybach (1846-1929) e Karl Benz (1844-1929), sendo que
este último foi o único dos três a patentear o modelo. Por esta altura, estes motores
eram ainda incomparavelmente mais fracos que os das viaturas a vapor e
eléctricas e, devido ao seu elevado preço e à sua manutenção complexa, apenas
podiam ser adquiridos por membros da elite ou por sportsman. No entanto, o
rápido desenvolvimento da indústria e as exigências do mercado, vão contribuir
para o surgimento de motores de explosão cada vez mais potentes que permitirão
a entrada destes no mercado das viaturas de transporte público e de mercadorias.
A sua explosão comercial dá-se nos anos pós Exposição Universal de Paris
de 1900, na qual o automóvel surgiu
como uma das principais atracções do evento e como símbolo do progresso da
ciência. Nos anos posteriores, os automóveis e os motociclos vão-se afirmando
também como um símbolo de mobilidade individual, de afirmação social e de
progresso técnico. É a conjugação destes elementos que explica que os pioneiros
da utilização do automóvel em Portugal fossem invariavelmente grandes
latifundiários, industriais, profissionais liberais e membros da nobreza. Estes
últimos vão ter uma importância preponderante na introdução e desenvolvimento
do seu uso.
O
automóvel em Portugal na viragem do século
Nos
anos que se seguiram à importação do primeiro automóvel regista-se um aumento
anual considerável de importação de automóveis, que se difundem um pouco por
todo o país. Veja-se o exemplo de Tavares Mello, residente em Coimbra, que em 1896 adquire um Peugeot equipado com um
motor Panhard, licenciado pela Daimler. Também no Porto, deve-se salientar o papel
da casa João Garrido, que se vai afirmar como uma das primeiras casas
importadoras de automóveis, e que, como tal, é uma referência obrigatória para
o estudo dos transportes motorizados em Portugal. Em 1900 o número de automóveis importados ascendia a 13 e quatro anos
depois elevava-se já para 109.
A
atestar também a crescente importância que o automóvel atinge no país,
verifica-se a criação do Real
Automóvel Club de Portugal a 15 de Abril de 1903, impulsionada pela organização, em 1902, da primeira corrida automóvel na Península Ibérica, a
prova Figueira da Foz-Lisboa, ganha pelo monarca Carlos I num Fiat
conduzido por um piloto francês. O ano de 1903
marca também o fim da produção dos automóveis que se inscrevem a categoria dos pioneiros segundo a FIVA. A introdução
deste novo tipo de transporte acarretou consigo um impulsionador económico,
pois permitiu a abertura de novos estabelecimentos e a criação de uma nova
indústria, bem como a entrada de novas fontes de rendimentos para o Estado, não
só através dos impostos alfandegários, mas também através da cobrança de novos
impostos, tais como, registo de propriedade sobre a viatura e os alvarás,
utilização e circulação, que as novas legislações vão estabelecer. Podemos
afirmar que em Portugal, entre 1895 e 1904, o automóvel rapidamente
se popularizou e exerceu um crescente papel no sector económico». In Alexandre
Ramos, A Voiturette de José Barahona, Publicações da Fundação Robinson, Portalegre,
nº 28, p.8-21, 2014, ISSN 1646-7116.
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