A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Na Normandia, na Aquitânia, na Flandres e na Borgonha, para dar
apenas alguns dos exemplos mais importantes, ainda não tinham cessado as reorganizações,
alianças e matrimónios cujo único interesse parece ter sido garantir a
autonomia e/ou a independência de grandes nobres e potentados que tentavam não
ser absorvidos por nenhum dos dois reis ou então influenciar o decurso dos
acontecimentos de forma a preservarem o seu estatuto neste mundo em
reestruturação. Nesse contexto, os reinados de Filipe Augusto e de Henrique II
de Inglaterra seriam exemplares, no que demonstram de capacidade de domínio e de
utilização de novas estruturas e poderes para controlar e influenciar a mudança
a favor da sua administração e poder soberano cada vez mais centralizado e
forte. Mas os conflitos que mantiveram entre si e com grandes senhores como os
condes da Flandres e da Borgonha, também eles interessados em afirmar a sua
autonomia, quer como rivais quer como aliados, assim como as múltiplas alianças
matrimoniais em que se aventuram para garantir apoios e defesas, revelam um
ambiente onde tudo parece ainda estar em perpétua mudança. Só nos finais do
século XII e inícios do XIII se conseguirá estabilizar uma situação que
envolveria todos os poderes circundantes e para cuja resolução qualquer um dos dois
reis não hesitou em envolver o papado, o império e os reinos hispânicos.
Os acontecimentos que marcaram os vinte anos durante os quais Sancho I
se tornou adulto prepararam o resto do século XII. A Universidade de Bolonha começava
a despontar com toda a força, depois da reanimação conferida pelo Decreto de
Graciano e na sequência da popularidade do também renascido estudo do direito
civil como fonte preciosa de legitimidade para o poder imperial e suas
ambições. Um novo tipo de eclesiásticos e juristas vai começar a povoar quase
obrigatoriamente as cortes de quase todos os monarcas da cristandade,
suplementando as políticas régias com o necessário e em breve imprescindível
apoio da teoria política às suas ambições, mas sobretudo com a mestria das normas
do Direito que permitiam aos príncipes o reanimar da sua soberania antiga,
agora revivescida por normas inovadoras e adaptadas às realidades presentes. Ora
os homens que, desde as duas últimas décadas do século XII, quando o infante já
assumira a regência do reino, começaram a povoar a corte de Coimbra, eram
também oriundos desse novo mundo em construção e vão saber preparar as
políticas régias de forma a adaptá-las as novas necessidades e as novas
realidades. Quais eram essas novas
realidades na Península Ibérica que viu nascer e crescer Sancho? Muito
à semelhança do que acontecia na restante cristandade, no momento preciso em
que Sancho veio ao mundo, quando parecia estar-se numa hora de beatífica paz
antes da tormenta, também na Hispânia ainda não estavam activos os germes das
questões que em breve dividiriam todos os reinos hispânicos. Em 1154, a Península ainda estava unificada
sob o ceptro de Afonso VII, que se autodenominava Imperador de todas as Hispânias,
como toda a sua documentação confirma, e os seus dois filhos, Sancho (nascido em 1133) e Fernando (nascido em 1137),
ainda estavam vivos e de boa saúde. Sancho III, o primogénito, acabava de ter
um filho de Branca de Navarra, sua mulher, a quem chamou Afonso, e que viria a
ser o futuro Afonso VIII de Castela, que dentro de relativamente poucos anos
seria o actor principal no quadro do xadrez político ibérico. O futuro
monarca de Castela nasceu, curiosamente, no mesmo dia em que Sancho I
nascera, a 11 de Novembro, embora um ano mais tarde. Votado a um destino
bem diferente do do filho de Afonso Henriques, os caminhos dos dois haveriam de
cruzar-se ainda muitas vezes no futuro, em anos-chave para qualquer um dos
dois. Os seus destinos também parecem tocar-se de vez em quando, não só na
curiosa coincidência de ambos terem nascido precisamente no mesmo dia de São
Martinho, mas também mais tarde, quando, em 1169, ambos acediam ao governo dos respectivos reinos no mesmo ano,
muito embora de formas bem distintas. Finalmente, em 1211, quando um se preparava para a Batalha das Navas de Tolosa, que o havia de tornar famoso
e inesquecível para a Cristandade, Sancho I falecia, mas não sem antes ter
desenhado uma política de alianças matrimoniais que em mui[o se assemelhara à
que o próprio rei castelhano levara a cabo, chegando mesmo a consorciar seu
próprio herdeiro do trono, Afonso II, com Urraca, uma das filhas de Afonso VIII
de Castela». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e
Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.
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