quarta-feira, 10 de junho de 2015

Confissões de Uma Freira Pagã. Romance histórico. Kate Horsley. «O legado da antiga sabedoria dos druidas e a crescente expansão do cristianismo. Ao fim de mil e quinhentos anos, o ‘espectro’ de Gwynneve vem à luz transmitindo-nos a sua história ocultada…»

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Declaração
«(…) Eu não tinha admiração pelo meu próprio pai, o que, pelo que dizem, é um pecado. Eu fazia todo o meu trabalho para lhe agradar porque o olhar da minha mãe se dirigia sempre na sua direcção. Eu nunca recebi elogios do Cleb. Ele desempenhava diversas actividades, com o seu espírito irado, e deslocava-se até ao poço onde os homens falavam e planeavam o cultivo e o gado da túath. O meu pai também tinha negócios com o chefe e os filhos dele, relacionados com o uso da terra e a criação de bons cavalos, apesar de, na nossa túath, o chefe ser o único que possuía cavalos ou gado. Mas eu nunca me consigo lembrar de o meu pai ter qualquer ofício que não o da conversação. Ele era uma pessoa medrosa com antebraços grossos, mas mais fraco em carácter do que a minha mãe. As outras mulheres da túath repreendiam a minha mãe pela sua deferência para com ele e ela disse-lhes para o levarem para a cama delas a ver se ele não lhes dava prazer A minha mãe tinha pernas fortes e muitos homens desejavam ter-se casado com ela.
Como do meu pai não recebia louvores, eu tentei muitos métodos para obter louvores de outros. E então comecei a prática de mostrar os meus seios aos rapazes que vinham usar o barco do meu pai para pescar no lago. Todos na túath sabiam que Cleb não ia utilizar o barco em dia algum, mas pelo facto de o não ter de volta até ao anoitecer caminhava pesadamente até, ao poço para fazer promessas de castigo. Ele discutiu o assunto em termos sombrios com os outros homens que lá estavam, que se apoiavam sobre as pedras, mastigavam palha, e tinham o suor do trabalho a cair-lhes pela cara. Ele era visto como um tolo, mas respeitado em parte porque era o marido da minha mãe. Eu não receava que o meu pai me batesse porque, apesar de me ter tornado numa jovem forte, a minha fama de fracalhota e de estatura pequena livrava-me da pancada que os outros costumavam receber, tanto em zangas como em jogos.
Eu não queria aborrecer o meu pai. Eu queria agradar-lhe para poder ficar bem vista aos olhos da minha mãe. Também acreditava que, se o meu pai estivesse satisfeito, seria como se um feitiço se quebrasse e ele se transformasse numa pessoa nobre. No entanto, eu não queria ser esposa como era a minha mãe. Comecei a pensar, com uma concentração dolorosa, na vida que levaria e dos talentos que tinha. Eu não podia ser guerreira a não ser que os cavalos tivessem sido feitos mais pequenos e as armas fossem mais leves. Apesar de serem bonitos de se ver, os cavalos assustam-me porque são grandes e de mente fraca, o que é uma mistura perigosa em cavalos, homens e deuses. Como já disse antes, eu admirava os aes dána, especialmente aqueles que tinham um grande conhecimento e eram hábeis a usar as palavras. Eu não gostava dos deveres mundanos, os quais não imaginava que os druidas tinham que suportar, tal como dar de comer aos porcos, ou recolher e separar as sementes que comíamos. Um dia de trabalho era muitas vezes consumido numa só refeição, comida por pessoas demasiado cansadas para saber o que tinham nas bocas. Não havia qualquer ligação na minha mente entre os pensamentos que me davam prazer e a lama, constantemente entranhada entre os meus dedos dos pés, ou as pulgas que me picavam tendo-se infiltrado nas minhas roupas. Ao druida privilegiado era-lhe dada comida e abrigo em troca dos seus conhecimentos sobre rituais, leis e magia. Um ollam era apaparicado como se fosse filho de um rei e não tinha qualquer necessidade de lutar com uma espada, ou de domar um garanhão». In Kate Horsley, Confessions of a Pagan Nun, Confissões de Uma Freira Pagã, Romance Histórico, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-8605-18-8.

Cortesia Ésquilo/JDACT