Declaração
«(…) Eu não tinha admiração pelo meu próprio pai, o que, pelo que dizem,
é um pecado. Eu fazia todo o meu trabalho para lhe agradar porque o olhar da
minha mãe se dirigia sempre na sua direcção. Eu nunca recebi elogios do Cleb.
Ele desempenhava diversas actividades, com o seu espírito irado, e deslocava-se
até ao poço onde os homens falavam e planeavam o cultivo e o gado da túath.
O meu pai também tinha negócios com o chefe e os filhos dele, relacionados com
o uso da terra e a criação de bons cavalos, apesar de, na nossa túath,
o chefe ser o único que possuía cavalos ou gado. Mas eu nunca me consigo
lembrar de o meu pai ter qualquer ofício que não o da conversação. Ele era uma
pessoa medrosa com antebraços grossos, mas mais fraco em carácter do que a
minha mãe. As outras mulheres da túath repreendiam a minha mãe pela
sua deferência para com ele e ela disse-lhes para o levarem para a cama delas a
ver se ele não lhes dava prazer A minha mãe tinha pernas fortes e muitos homens
desejavam ter-se casado com ela.
Como do meu pai não recebia louvores, eu tentei muitos métodos para
obter louvores de outros. E então comecei a prática de mostrar os meus seios
aos rapazes que vinham usar o barco do meu pai para pescar no lago. Todos na túath
sabiam que Cleb não ia utilizar o barco em dia algum, mas pelo facto de o não
ter de volta até ao anoitecer caminhava pesadamente até, ao poço para fazer
promessas de castigo. Ele discutiu o assunto em termos sombrios com os outros homens
que lá estavam, que se apoiavam sobre as pedras, mastigavam palha, e tinham o
suor do trabalho a cair-lhes pela cara. Ele era visto como um tolo, mas
respeitado em parte porque era o marido da minha mãe. Eu não receava que o meu
pai me batesse porque, apesar de me ter tornado numa jovem forte, a minha fama
de fracalhota e de estatura pequena livrava-me da pancada que os outros
costumavam receber, tanto em zangas como em jogos.
Eu não queria aborrecer o meu pai. Eu queria agradar-lhe para poder
ficar bem vista aos olhos da minha mãe. Também acreditava que, se o meu pai
estivesse satisfeito, seria como se um feitiço se quebrasse e ele se
transformasse numa pessoa nobre. No entanto, eu não queria ser esposa como era
a minha mãe. Comecei a pensar, com uma concentração dolorosa, na vida que
levaria e dos talentos que tinha. Eu não podia ser guerreira a não ser que os
cavalos tivessem sido feitos mais pequenos e as armas fossem mais leves. Apesar
de serem bonitos de se ver, os cavalos assustam-me porque são grandes e de
mente fraca, o que é uma mistura perigosa em cavalos, homens e deuses. Como já
disse antes, eu admirava os aes dána, especialmente aqueles que
tinham um grande conhecimento e eram hábeis a usar as palavras. Eu não gostava
dos deveres mundanos, os quais não imaginava que os druidas tinham que suportar,
tal como dar de comer aos porcos, ou recolher e separar as sementes que comíamos.
Um dia de trabalho era muitas vezes consumido numa só refeição, comida por
pessoas demasiado cansadas para saber o que tinham nas bocas. Não havia
qualquer ligação na minha mente entre os pensamentos que me davam prazer e a
lama, constantemente entranhada entre os meus dedos dos pés, ou as pulgas que
me picavam tendo-se infiltrado nas minhas roupas. Ao druida privilegiado
era-lhe dada comida e abrigo em troca dos seus conhecimentos sobre rituais,
leis e magia. Um ollam era
apaparicado como se fosse filho de um rei e não tinha qualquer necessidade de
lutar com uma espada, ou de domar um garanhão». In Kate Horsley, Confessions of a
Pagan Nun, Confissões de Uma Freira Pagã, Romance Histórico, Ésquilo, Lisboa,
2002, ISBN 972-8605-18-8.
Cortesia Ésquilo/JDACT