quarta-feira, 24 de junho de 2015

Vasco da Gama. O Caminho da Índia. Elaine Sanceau. «Os seus navios não se encontravam já em mares desconhecidos. Os problemas que tinha de resolver eram de outra espécie, tendo ainda neste caso Vasco da Gama sido julgado com pouca justiça»

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«Se se perguntasse a esse personagem vago, quais foram as três grandes viagens dos anais dos Descobrimentos, naturalmente responderia sem hesitação: a de Colombo à América, a de Vasco da Gama à Índia e a de Magalhães à volta da Terra. Todavia, se procurássemos saber o lugar que cada um desses feitos ocupa na sua estima, é provável que encontrássemos em primeiro lugar a aventura de Colombo. Uma das razões disto é que está mais bem informado a respeito dela. A história e a lenda, muito em especial a lenda, do visionário genovês que atravessou o Atlântico são familiares a todo o colegial nos seus pormenores principais. Os outros não tiveram uma propaganda tão grande. Os méritos da circum-navegação são evidentes, e sempre serão, claro está, reconhecidos; porém, a segunda das grandes viagens da última década do século XV, apesar de haver sido, na realidade, a mais difícil e perigosa de todas até então empreendidas, com frequência tem sido tida em pouca consideração. Fora de Portugal, Vasco da Gama, para muita gente, não passa de um nome apenas; e, até mesmo onde se sabe um pouco o que tal nome significa, muitas vezes se lhe têm referido com provas de ignorância ou de incompreensão. No fim de contas, que fez, na verdade, Vasco da Gama?, é o que se ouve às vezes perguntar. A Índia não era um continente por descobrir. Já lá haviam chegado viajantes por terra, de tempos a tempos. O oceano Índico era conhecido dos navegadores árabes. Vasco da Gama teve só de seguir ao longo da costa da África até dobrar o Cabo, e na costa oriental houve só que arranjar piloto. Claro está que foi coisa perfeitamente simples..., ou assim seria se Vasco da Gama saísse de Lisboa a bordo dum vapor! Mas a rota de um barco à vela não pode traçar-se em linhas rectas sobre um mapa, mesmo que existisse naquele tempo uma carta atlântica.
Um navio à vela deve deixar a costa para buscar o vento, que sopra onde melhor lhe parece nas paragens remotas do oceano. Os alísios favoráveis podiam levar Colombo às Índias em 36 dias, mas Vasco da Gama, depois de ter navegado para o Sul durante outro tanto tempo, encontrava-se ainda a meio do Atlântico, a milhares de milhas de qualquer costa. Não há dúvida de que, uma vez dobrado o Cabo, a caminho de Moçambique, apenas uma viagem de oito meses! Os seus navios não se encontravam já em mares desconhecidos. Os problemas que tinha de resolver eram de outra espécie, tendo ainda neste caso Vasco da Gama sido julgado com pouca justiça. Alguns escritores, que parecem não se lembrar da situação internacional dessa época, têm dito que ele não tinha tacto, que cometeu erros, que só levantou conflitos. Censuram-no por ele se ter zangado com os mercadores árabes da costa oriental. Mas não eram estes que estavam mais prontos azangar-se com ele? Que outra coisa poderia esperar-se que acontecesse entre um cristão do século XV desejoso de expandir o campo de influência da sua terra, e os muçulmanos, que até então haviam sido senhores únicos do campo? É preciso pormos de parte as nossas opiniões modernas, a nossa tolerância, o nosso ecletismo suave, a nossa estima pelos sectários de uma fé pura e viril, temperada pela noção da responsabilidade para com nações de cultura menos avançada do que a nossa. O século XV não conhecia nenhuma destas coisas. Para um cristão daquela época, não podia encontrar-se qualquer espécie de virtude num discípulo do falso Profeta, o abominável Mafoma». In Elaine Sanceau, Vasco da Gama, O Caminho da Índia, tradução de António Dória, Civilização Editora, Porto, 2013, ISBN 978-972-263-622-3.

Cortesia de Civilização/JDACT