sexta-feira, 17 de julho de 2015

As Maçãs Azuis. Portugal e Goa 1948 – 1961. Edila Gaitonde. «Na manhã seguinte fomos de novo conduzidos ao aeroporto para continuarmos a viagem. Nunca nos informaram da verdadeira causa daquela inesperada paragem prolongada, mas acabámos por deduzir que tivesse sido devido a condições atmosféricas…»

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«(…) Embarcámos num Skymaster, preparados para uma longa viagem aérea até à Índia. Iríamos parar em Lyon, Roma, Atenas, Cairo, Darham e, por fim, Bombaim, no total, trinta e seis horas... Não havia jets nesses dias, e todas as vezes que parávamos para abastecimento de combustível ou troca de passageiros éramos levados para bons restaurantes nos aeroportos e tínhamos anda tempo suficiente para dar uma volta pelas lojas, sempre abarrotadas de artigos regionais e nacionais. Quão diferentes eram então as viagens das de hoje, em aviões que oferecem uma viagem rápida, depois do tédio das esperas prolongadas e de serviços de aeroporto demorados!
Íamos agora direitos à Índia e, à medida que o tempo passava, sentia-me cada vez mais excitada e ansiosa. Ao meu lado, Lica repetia constantemente o que eu teria de fazer ou não fazer quando lá chegássemos: como deveria cumprimentar a família e a quem me dirigir primeiro. Repetia-me os nomes e explicava-me a relação que tinham uns com os outros. Tarefa árdua quando se tratava de uma enorme família como a dos Gaitonde. Mais uma paragem antes de Bombaim. Ainda tínhamos de aterrar em Darham, no Médio Oriente. Quanto chegámos, disseram imediatamente ao comandante que o avião não poderia prosseguir viagem para a Índia. Tínhamos de ficar ali até novas ordens. Que terrível desapontamento! A seguir fomos conduzidos por um árabe alto e corpulento até às nossas acomodações improvisadas. Era já noite. Saímos com o nosso guia do edifício da alfândega e começámos imediatamente a pisar areia. Parecia que tínhamos entrado em pleno deserto. Estava tão escuro que não se podia ver além de um ou dois metros. Por fim, chegámos a umas barracas abandonadas. Teríamos de passar a noite ali o mais confortavelmente que nos fosse possível. Ao entrar notei logo que a barraca estava dividida ao longo de todo o comprimento por um corredor, com quartos de um lado e retretes do outro.
O cheiro nauseabundo de urina quase nos sufocava. Cada quarto tinha apenas uma cama de ferro com um colchão e em cima, dobrado, um par de lençóis. A janela não tinha cortinados, deixando-nos à vista de quem passasse do lado de fora. Estava um calor mortal, mas as janelas tinham sido seguras com pregos para não deixarem entrar os mosquitos da malária. O calor era sufocante e sentia as gotas de suor a escolher-me pelo corpo abaixo. Experimentei ir ao banheiro para uma rápida lavadela, mas tive de voltar a correr para o quarto, pois não havia água, o autoclismo não funcionava e o cheiro da sanita, bloqueada, era insuportável. Esta foi, sem dúvida, uma noite memorável, tirada mesmo das Mil e uma noites...
Na manhã seguinte fomos de novo conduzidos ao aeroporto para continuarmos a viagem. Nunca nos informaram da verdadeira causa daquela inesperada paragem prolongada, mas acabámos por deduzir que tivesse sido devido a condições atmosféricas não favoráveis ou a qualquer coisa relacionada com a guerra em Israel.
Começava já a sentir-me sonolenta, devido ao contínuo roncar do motor do avião, mas Lica mostrava-se cada vez mais excitado. Quantos anos tinha esperado por este momento! Olha, daqui a nada vais ver no horizonte uma enorme auréola cor de lannja reflectida no céu... São as luzes da cidade de Bombaim. É uma maravilha Olhei para fora mas não se via nada. Estava tudo escuro, escuro como breu. Não falta muito, dizia ele, vais ver é uma vista para nunca esquecer. Olhei outra vez, continuava escuro. Depois de quase meia hora e com um pouco menos de entusiasmo, Lica repetiu: já deve estar por pouco. Vai ser urna vista maravilhosa, o céu vai parecer como se estivesse em fogo, tal é o esplendor da brilhante iluminação de Bombaim. Eu continuava a olhar para aquela noite escura. De súbito ouviu-se um clique do autofalante e a seguir a voz do comandante, que anunciava: Senhoras e senhores, estamos a sobrevoar Bombaim e preparamo-nos para aterrar dentro de minutos». In Edila Gaitonde, As Maçãs Azuis. Portugal e Goa 1948 – 1961, Editorial Tágide, F. Oriente, 2011, ISBN 978-989-95179-9-8.

Cortesia de E. Tágide/JDACT