Sobre a negação do apoio de João II ao projecto de Colombo
«(…) Também se tem alegado que em Portugal haveria a percepção de que o
valor do grau terrestre era superior ao que era defendido pelo genovês, pelo
que ali seria considerada a distância até à Ásia rumando para ocidente muito
superior à que este admitia na sequência da teoria de Toscanelli. Com efeito Colombo
pensava que a circunferência da Terra mediria 20 400 milhas, 30 000 km, isto é,
menos l0 000 km do que na realidade. Perante esta questão temos de apontar
que Colombo referiu em 1485 serem as
medidas de um módulo de 14 2/3 léguas por grau que ele defendia corroboradas
por mestre José Vizinho, pois escreveu o
mesmo achou mestre José, físico e astrólogo e outros muitos, enviados com este
fim só pelo sereníssimo rei de Portugal. Esta afirmação não é segura, pois
sabemos que pela mesma altura Bartolomeu Dias avaliava o valor do grau pelo
módulo de 16 2/3 léguas.
O rei português, ainda que pudesse aceitar a possibilidade de haver
terras a ocidente das ilhas dos Açores ou de Cabo Verde, encarava tal assunto
com reserva, sendo de admitir que o fundamento essencial da sua recusa
residisse no facto de não estar interessado em investir em viagens para
ocidente, as quais deixava ao cuidado de investidores particulares, visto o seu
empenhamento estar virado para a exploração do litoral africano para sul e
oriente, de forma a chegar à Índia. É elucidativo relembrar que João II
autorizou a 3 de Março de 1486
a iniciativa privada proposta pelo flamengo Fernão Dulmo (Ferdinand van
Olmen), capitão da ilha Terceira na parte das Quatro Ribeiras, e João
Afonso Estreito, madeirense, com a colaboração de Martin Behaim, que queriam
fazer ambiciosas explorações para ocidente, cujas despesas seriam arcadas pelos
próprios.
João II tinha consciência das dificuldades com que os portugueses se
deparavam durante a realização das explorações atlânticas para ocidente, as
quais não tiveram sucesso até 1483,
tal como nos anos seguintes até 1492,
sobretudo porque a maior parte delas havia sido realizada a partir dos Açores
em latitudes que não eram as adequadas para realizar viagens a terras que
depois se saberiam ser da América e eram por então denominadas geralmente por Ilha
das Sete Cidades e Antilia.
Colombo ao considerar as experiências negativas que os portugueses da
Madeira e dos Açores ou mesmo de Cabo Verde teriam em chegar a uma ilha
ocidental e analisando eventualmente o mapa de Toscanelli, que teria
semelhanças com o registo cartográfico expresso no globo de Martin Behaim, constataria
que a forma de poder chegar ao seu objectivo passava por ir em busca dessas
terras sempre para ocidente a partir da latitude das Canárias. Durante as suas
viagens com os portugueses o nosso genovês terá observado ser tal rumo o mais
propício e por isso em 1492 navegou ao longo da orla norte da zona de
ventos alísios, rota tanto mais aconselhável quanto não podia ser
seguida pelos portugueses desde 1479,
de acordo com o teor do Tratado de Alcáçovas então assinado,
pois através deste acordo o exclusivo das navegações e dos domínios dos
portugueses situavam-se a sul de um paralelo a sul do cabo Bojador. Foi desta
forma que Colombo seguiu por uma linha a norte desse cabo e de um paralelo às
Canárias para fazer o seu descobrimento, que assim estaria fora da alçada dos
portugueses como veio a defender. Ainda assim João II pretendeu que tais terras
ficariam nos seus domínios, como o afirmaram Rui de Pina e João de Barros. O
primeiro destes autores escreveu que João II em 1493 mandou vir Colombo ante
si e mostrou por isso receber nojo e sentimento, assim por crer que o dito descobrimento
era feito dentro dos mares e termos de seu senhorio de Guiné, em que se
oferecia dissenção.
Quanto a João de Barros declarou que João II com a nova do sítio e lugar que lhe Colom disse da terra deste seu
descobrimento ficou mui confuso e creo verdadeiramente que esta terra descoberta
lhe pertencia, e assim lho davam a entender as pessoas do seu conselho». In
José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na
busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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