«(…) Mais complexos são os nomes
e grafias diferentes de Beatriz de Luna/ Grácia Mendes/ Grácia Nasi ou Nasci...
Para uma melhor compreensão do tema, remeto para o estudo de Herman Prins Salomon e Aron
di Leone Leoni, Mendes, Benveniste, De
Luna, Micas, Nasci: Em que ficamos? (1532-1558). Direi apenas que a
diversidade dos nomes é a expressão da realidade das conversões forçadas. Baptizada
com o nome de Beatriz e designada como Beatriz Luna, ou Beatriz Mendes (depois
do casamento com Francisco Mendes Benveniste), Grácia passa a usar o nome de
Gracia Nasi ou Nasci, quando assume publicamente o judaísmo à chegada ao
Império Otomano. Os marranos tinham normalmente dois nomes,
correspondendo na realidade a uma dupla identidade: a cristã com o nome do
baptismo e a judaica com o respectivo nome que assumiam apenas, em família, no
segredo dos seus lares. Toda a família Luna/Mendes/Nasi usava os seus nomes de
baptismo em terras da cristandade e os nomes judaicos no seio da família ou em
terras de tolerância religiosa. Usei mais frequentemente o nome de Grácia Nasi,
mesmo quando ainda era Beatriz porque foi com esse nome que se tornou
conhecida. Também acredito que é assim que ela gostaria de ser lembrada: com o
nome judaico que durante tanto tempo foi obrigada a esconder.
Um
rei, um reino, uma religião
Grácia Nasi nasce em Lisboa, em 1510, com o nome cristão de Beatriz Luna,
no seio de uma família de cristãos-novos originários de Castela, vinda para Portugal
após a expulsão dos judeus de Espanha, em 1492,
pelos reis católicos, Fernando e dona Isabel. Os seus pais eram os conversos Álvaro e Filipa Luna, cujo
patronímico cristão terá origem no apelido dos barões de Luna, senhores de Illueca
a norte de Calatayude. A sua mãe era uma Benveniste, irmã daquele que mais tarde
será o seu marido, Francisco Mendes Benveniste.
Ambas as famílias integraram a imensa
vaga dos exilados judeus espanhóis que procuraram refúgio em Portugal, no seguimento
da expulsão de Espanha. A família Benveniste era uma das mais antigas e prestigiadas
do judaísmo espanhol. Pelo menos desde o século XII tinham sido médicos e
financeiros dos reis de Aragão e Castela e no século XV, devido aos serviços prestados
na reorganização das finanças reais, Abraão Benveniste foi nomeado Rabi da Corte, ou seja representante máximo
dos judeus de todo o reino junto da corte, cargo de imenso poder e prestígio. Abraão
morreu em 1454 perto de quarenta anos
antes do trágico decreto de expulsão dos reis católicos, que interrompeu
brutalmente a brilhante história de mais de um milénio de presença judaica em
Espanha. Um dos seus descendentes próximos ter-se-á então refugiado em Portugal,
com os seus filhos Semah e Meir, mais tarde respectivamente denominados pelos seus
nomes cristãos de Francisco e Diogo Mendes. Por seu turno, a família De Luna terá
tido como antepassado Yuçaf el Nasci,
arrematador de impostos e poderoso funcionário judeu do rei Juan II de Castela (1406-1454), o que poderá explicar
o apelido judaico mais tarde assumido por Grácia Nasi. Seja como for, ambas as famílias
pertenciam à aristocracia judaica espanhola, o que não as poupou ao cruel destino
imposto aos seus irmãos de fé.
Quando Grácia nasce, Portugal já deixara
de ser a terra que os acolhera nessa época. Nesse ano fatídico para o judaísmo espanhol
e ibérico, como mais tarde se verá, o rei João II de Portugal autorizara, mediante
o pagamento de oito cruzados por pessoa adulta, a entrada dos judeus em fuga de
Espanha e a sua permanência no reino durante o prazo máximo de oito meses. Para
além destes, trinta famílias de elevado estatuto, conduzidas pelo rabino Isaac Aboab,
foram autorizadas a fixarem-se no Porto onde desde o início desempenharam um
papel de primeiro plano. Seiscentas outras famílias abastadas, que podiam pagar
cem cruzados, tiveram também a possibilidade de se instalar em zonas da sua
escolha. A família de Grácia terá feito parte deste grupo.
Mas
para a maioria dos judeus castelhanos sem meios, Portugal foi apenas mais uma etapa
de sofrimento: muitos dos que puderam embarcar ao fim dos oito meses eram despojados
dos seus bens e atirados à água e as suas mulheres violadas; outros foram desembarcados,
sem nada, no primeiro porto africano. Os que não conseguiram embarcar foram feitos
escravos». In Esther Mucznik, Grácia Nasi, A judia portuguesa do século XVI que
desafiou o seu próprio destino, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN
978-989-626-244-0.
Cortesia
de ELivros/JDACT