segunda-feira, 27 de julho de 2015

Teresa Távora. A Amante do Rei. Sara Rodi. «Estava a meses de completar 15 anos quando José, ainda príncipe, me cobiçou pela primeira vez. Estava sentada ao lado de dona Pelágia Almada, neta de princesa de Soubise, que se divertia a provocar o velho Luís Castelo Branco»

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«Consiste o livre-arbítrio em voluntariamente cumprir o fado». In Agostinho da Silva

«(…) O rei José I não responde e faz uma nova investida para me segurar o corpo onde deseja entrar. Mas retiro-lhe as mãos das minhas ancas e levo-as aos meus seios, a grande fonte de todos os enganos e ilusões. Não dará a vida por mim, pois não? Dou-lhe tudo o que quiser... Menos a vida! Pois veremos se os nossos esposos chifrudos não resolvem reescrever esta ópera e matar-vos antes a vós, meu rei. Já não estava a ouvir-me, porque o desejo cerrara-lhe também os ouvidos. Mas deveria. Porque o tempo não estava para cegueiras nem surdezes. Luís Bernardo, meu marido, não suportava a ideia de ver a sua mulher nos braços do rei, o único homem a quem ele não podia desafiar para um duelo em defesa da sua honra.
A apoiá-lo, toda a família dos Távora a desejar vingança de um rei que os destratava e de um ministro que não suportavam, de seu nome Sebastião José Carvalho e Melo. Do lado do rei, existia uma rainha que o amava, disposta a tudo para o ver cingir-se à sua cama. O que seria esse tudo, ninguém o sabia. Segundo José I, a rainha dona Mariana Vitória limitava-se a obrigar as damas da corte a trocarem os decotes pelas golas e abotoados alemães, mais decentes e muito menos aliciantes para o rei. As criadas que o serviam eram agora todas muito feias e de formas mal esculpidas. E dizia ainda o rei que dona Mariana se tornara uma amante despudorada, dentro das quatro paredes do quarto real, para não dar azo a que o seu rei procurasse a falta de pudor fora de portas. Mas isso não tenho a certeza de ser verdade. Talvez fosse apenas uma forma que o rei arranjara de me provocar e me tornar ainda mais despudorada do que essa outra que sustinha a coroa. O que no meu caso não era difícil, diga-se, porque não me exigia qualquer esforço, nem era motivado por nenhuma outra intenção que não fosse a obtenção de prazer. Volúpia genuína, portanto. A única verdadeiramente eficaz para levar um homem à loucura.
Arrancou a venda dos olhos, louco, porque precisava agora de todos os sentidos para dar azo à excitação. E levantou-me com os seus braços fortes para me encaixar na sua cintura. Não houve tempo de chegar à cama. A escrivaninha onde, anos antes, eu escrevia cartas ao meu esposo Luís Bernardo, a desejar-lhe sorte para as façanhas da guerra, embrulhadas em juras de amor fiel, nunca cumprido, era agora o palco de dois corpos despidos que se amavam como se o mundo fosse terminar naquele instante. Era aquela a nossa ópera: As escapadelas de Sua Majestade José I, que ainda julgávamos ser apenas de sedução e traição. Mas as óperas alimentam-se, igualmente, das tragédias. E a nossa estava prestes a começar. Quem morreria, ainda nenhum de nós sabia. Se algum de nós morrer, minha Popeia, será de prazer..., disse-me o rei José, com as carnes já satisfeitas e o desassossego já sossegado. Puro engano. Saborosa ilusão, que uma meia hora depois se esfumaria, sem remédio. Três tiros disparados contra a sege de José Teixeira, onde o rei viajava supostamente incógnito, de regresso ao palácio.
Foi a última vez que nos amámos, e eu fui Popeia, a amante do rei a quem ele chamava imperatriz. Daí em diante apenas marquesa-nova e Távora, e depois já nem isso, porque tudo conseguiram tirar-me. O nome, o título, o palácio e a liberdade. Deixaram-me apenas com a culpa de todos os males que viriam a manchar Portugal de sangue, nos meses que se seguiriam... Mas lá chegaremos, ao futuro, que nada é sem o passado que o alicerçou. Vinte anos antes, José I ainda era príncipe, mas eu já era mulher e capaz de o seduzir. Vinte anos antes, éramos já uma semente da árvore que viria a ensombrar os nossos destinos. Vinte anos antes, foi assim que tudo começou...

31 de Março de 1738
Estava a meses de completar 15 anos quando José, ainda príncipe, me cobiçou pela primeira vez. Estava sentada ao lado de dona Pelágia Almada, neta de princesa de Soubise, que se divertia a provocar o velho Luís Castelo Branco. Já à beira dos 60 anos, era agora 4.º conde de Pombeiro pela morte do irmão mais velho, que não deixara descendência. O conde Luiz fora cónego do patriarca, sem qualquer vocação para o cargo, dizia-se, porque os seus olhos sempre se haviam arregalado para as jovens fidalgas que lhe sorriam na igreja, entre uma ave-maria e um pai-nosso. Assim que se apanhou detentor do título que lhe escapara por ter nascido segundo filho, pediu dispensa para casar, com esperança de que a idade ainda lhe permitisse uma prole legítima. E dona Pelágia, 35 anos mais nova do que ele, parecia-lhe a jovem perfeita, a sua fonte da juventude e aquela que daria futuro ao seu nome e ao seu título, o que viria a acontecer dois anos depois. Tem a barriga tão gorda, que duvido de que consiga ver os próprios pés..., segredava-lhe, entre risos, que chamavam a atenção dos nobres sentados no anfiteatro da Junqueira, onde se comemorava o aniversário de dona Mariana Vitória, esposa do príncipe José e futura rainha». In Sara Rodi, Teresa Távora, A Amante do Rei, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-482-6.

Cortesia EsferaLivros/JDACT