quinta-feira, 2 de julho de 2015

Vasco da Gama. O Caminho da Índia. Elaine Sanceau. «Para um muçulmano, os seus antagonistas eram cães de cristãos. De parte a parte; porém, não havia condescendência nem complexo de inferioridade. Encaravam-se em pé de igualdade com intensa aversão mútua»

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«(…) Para um muçulmano, os seus antagonistas eram cães de cristãos. De parte a parte; porém, não havia condescendência nem complexo de inferioridade. Encaravam-se em pé de igualdade com intensa aversão mútua. Os cristãos e os muçulmanos dos centros civilizados nutriam uns pelos outros sentimentos pessoais que iam do ódio intenso à admiração por um inimigo valente. Duas religiões proselíticas, professadas por povos enérgicos e belicosos, deviam inevitavelmente entrechocar-se. E assim aconteceu, em todos os lugares, na terra e no mar, sempre que se encontraram, cada um dos contendores com um profundo sentido da superioridade da sua maneira de sentir. Não podemos dizer que portugueses e árabes se encontravam em desacordo no Oriente por falta de compreensão mútua, pelo contrário: compreendiam-se demasiado.
Com os Hindus o caso era muito diferente, mas nem por isso é exacto dizer que Vasco da Gama foi um diplomata desastrado. Os Portugueses queriam, honestamente, entabular relações amigáveis e fizeram o que puderam para serem correctos e não darem razão de queixa. Os erros que cometeram deveram-se à incompreensão, que era mútua. Não é nada razoável censurar Vasco da Gama por não compreender o samorim de Calecute, como também o não é censurar o samorim por não compreender Vasco da Gama. Acaso as coisas poderiam passar-se de outra maneira? Não havia quem pudesse dar explicações de parte a parte. Antes disso, a Europa não tivera contacto directo com a Índia.
Eis o que torna tão interessante esta viagem, independentemente do seu mérito de grande feito de navegação. Vasco da Gama foi o primeiro embaixador ocidental dos tempos modernos a aparecer diante de um trono hindu. O intercâmbio então iniciado com ele jamais voltou a interromper-se. Foi ele o pioneiro que pôs em contacto para sempre a civilização de dois continentes. Portanto, a sua viagem pode, com verdade, considerar-se como início de uma época, não só do ponto de vista náutico e geográfico, mas também do político. As suas repercussões foram tão vastas e as suas consequências tão múltiplas, que é para duvidar se qualquer outra exerceu tal influência na Terra. Os pormenores desta aventura extraordinária são uma história que vale bem a pena contar». ». In Elaine Sanceau, Vasco da Gama, O Caminho da Índia, tradução de António Dória, Civilização Editora, Porto, 2013, ISBN 978-972-263-622-3.

Cortesia de Civilização/JDACT