terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «… enquanto as dioceses portuguesas, que Santiago reclamava, se mantivessem ilegalmente sob a jurisdição de Braga, deveriam, por castigo, os bispos leoneses, que eram sufragâneos de Braga, obedecer ao arcebispo de Compostela»

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Alexandre III
«(…) Se desta forma ficou estabelecido que o sul lusitano de Portugal devia pertencer a Compostela, restava ainda é claro, resolver a questão de saber onde eram as fronteiras da Lusitânia, pois que os compostelanos defendiam, como sabemos, a tese, historicamente bem justificada, que também o centro de Portugal nos tempos antigos tinha sido lusitano, e por isso reclamavam para si as dioceses de Coimbra, Viseu e Lamego. É absolutamente provável que Pedro, arcebispo de Compostela, que era muito considerado por Jacinto, tivesse manifestado pretenções neste sentido. Jacinto porém não se mostrou, evidentemente, inclinado a cansar-se pela segunda vez com questão tão intrincada; tanto quanto sabemos, não se manifestou a este respeito, dizendo provavelmente ao arcebispo que se dirigisse ao papa. Pedro de Compostela reclamou para Roma, enquanto o cardeal Jacinto ainda não regressara de Espanha e apresentou todo o complexo das suas queixas. Alexandre III reagiu e deu então as seguintes curiosas ordens: enquanto as dioceses portuguesas, que Santiago reclamava, se mantivessem ilegalmente sob a jurisdição de Braga, deveriam, por castigo, os bispos leoneses, que eram sufragâneos de Braga, obedecer ao arcebispo de Compostela. Isto significava instantaneamente a perfeita adaptação da divisão eclesiástica à divisão política, a remoção de todas as complicações com uma simples penada. A inovação encontrou logo aprazimento no rei de Leão; assim como Afonso Henriques impedia os seus bispos de tratarem com Santiago, assim proibiu agora, Fernando II de Leão aos galegos a obediência a Braga.
É possível que então Alexandre II, enquanto Jacinto se encontrava ausente, tenha pensado em solucionar para sempre o litígio de maneira tão simples. A princípio porém tratava-se apenas duma medida passageira, que podia ser revogada, logo que o arcebispo de Braga se justificasse. João Peculiar, que desta maneira perdia muito mais do que ganhava, também não concordou com esta solução. Mas já se não encontrava em situação de vencer mais esta batalha; morreu a 3 de Dezembro de 1175 com avançada idade e por muito tempo chorado. A obra da sua vida estava quase completa; só deixava, a outras mãos colocar a chave da abóbada. O seu sucessor foi o arcebispo Godinho (1176-1188), que prosseguiu na mesma política de lealdade para com seu rei, pelo menos enquanto Afonso Henriques viveu.
O arcebispo Godinho apareceu em Janeiro de 1771 na Cúria para trazer o pálio e encontrou-se lá com um cónego compostelano, que apresentou mais uma vez as queixas de Santiago. Agora também se encontrava presente o cardeal Jacinto, e, segundo parece, fez valer o seu ponto de vista. Seja como for, o que é certo é que a nítida separação entre Portugal e Leão, como fora determinado na última bula papal, foi de novo posta de parte, os bispados galegos voltaram para Braga, em compensação, primeiro que tudo, Lisboa e Évora foram adstritas a Compostela, e por causa dos outros bispados litigiosos, Coimbra, Viseu, Lamego, e ainda Zamora, e das outras diferenças, foi aprazado um julgamento. Assim ficava fundamentalmente determinado pelo lado do papa que aquele enlaçamento das duas províncias eclesiásticas continuasse.
O grande processo entre Braga e Santiago durou 22 anos, mas não precisamos de seguir todas as suas fases. Também deixou de ter a decisiva importância que possuía no ano de 1155, porque a independência de Portugal já não era atingida por este litígio. Isto era evidente a Alexandre III e por isso, ainda antes que na Cúria tivessem lugar as primeiras negociações, em 1179 reconheceu solenemente por privilégio Afonso Henriques como rei, tomou-o a ele e a seus herdeiros sob a protecção da Cúria, declarou Portugal reino pertencente a S. Pedro, e prometeu o auxílio para defesa da dignidade real, em resumo: satisfez todas as condições que Afonso Henriques 35 anos antes pusera a Inocêncio II. O rei quadruplicou por esta ocasião o censo anual que pagava à Cúria e prometeu em vez de quatro onças dois marcos em ouro; além disso, fez o pagamento por uma só vez de 1000 peças de oiro. Seguramente, não eram indiferentes ao papa, estes auxílios monetários, porém seria rebaixar muito a política dum Alexandre III, julgar que Afonso Henriques comprou simplesmente o reconhecimento do seu reino». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do BIAlemão/JDACT