terça-feira, 4 de agosto de 2015

De Princesa a Rainha-velha. Leonor de Lencastre. Isabel Guimarães Sá. «A posse destas terras transformou-o, juntamente com o cargo de fronteiro-mor, no maior senhor do Sul do reino. Foi a partir desta época que recebeu o título de duque de Beja, a que juntaria mais tarde o de duque de Viseu…»

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De Menina a Mulher. Os primeiros treze anos (1458-1471)
«Nasceu dona Leonor a 2 de Maio de 1458. Será preciso informar acerca da estirpe da recém-nascida, mais do que sobre as circunstâncias de tempo e lugar, que de resto se ignoram, tirando sabermos que nasceu em Beja. A família dos seus pais era uma só: a descendência de João I e de dona Filipa de Lencastre, os fundadores da dinastia de Avis, que naqueles tempos e naquelas pessoas era bom casar entre primos. Fernando e dona Beatriz, os pais de dona Leonor, eram ambos netos do rei fundador. Ele, filho segundo do rei Duarte I, irmão de Afonso V e neto de João I; ela, filha do infante João (1400-1442), sétimo filho de João I e de dona Filipa de Lencastre. A seu tempo, também dona Leonor casaria com um primo coirmão.

Um pai ambicioso. O infante Fernando, irmão do rei Afonso V
Detenhamo-nos um pouco sobre a figura paterna, que, se não explica tudo, parece configurar boa parte do que se passou depois na família real portuguesa. Foi Fernando o escolhido por seu tio, o infante Henrique, de seu cognome o Navegador (??), que haveria de morrer dois anos depois do nascimento desta sua sobrinha sobre quem se escreve, para lhe suceder na sua vastíssima fortuna. Um primeiro testamento do infante Henrique, que dizem ter sido feito para agradar ao rei Duarte I e apaziguar a sua eventual inveja perante o sucesso económico do irmão, fazia de Fernando o seu herdeiro universal, já transformado em seu filho adoptivo através de uma perfilhação datada de 1436. Ainda que os historiadores que estudaram a questão de perto tenham mencionado a posterior invalidação do testamento, não deixaram de referir que na prática este sobrinho veio a herdar o grosso dos avultadíssimos bens do tio. Pelo tanto, encontraremos o infante Fernando a herdar o título, duque de Viseu e os importantíssimos senhorios do infante Henrique. Mas, se olharmos de perto, a herança do tio e pai adoptivo foi apenas uma de três componentes da fortuna de Fernando: as outras duas incluem o facto de ter sido o sucessor do sogro, que ficou sem filhos homens para lhe suceder, e o de ter ele mesmo agenciado fortuna própria.
A escalada da riqueza e poder de Fernando, duque de Viseu, foi em crescendo desde a sua mais tenra idade. Aos 11 anos foi nomeado mestre da Ordem de Santiago, dominando atravrés dela um território que compreendia a península de Setúbal, grande parte do Baixo Alentejo e ainda alguns lugares do Algarve. A juntar também os elevados rendimentos da ordem, de que recebia uma parte. Por essa razão, vamos encontrá-lo diversas vezes em Palmela, Alcácer do Sal e Setúbal, cenário de alguns momentos fundamentais da sua vida e da da sua família próxima. Em 1447, aos 14 anos, casou com a prima dona Beatriz, filha do infante João e de dona Isabel, filha do primeiro duque de Bragança, e neta de Nuno Álvares Pereira. Por vicissitudes várias dos irmãos da mulher, o infante Fernando acabou por ser o principal herdeiro do infante João, seu sogro, morto em 1442 (entre a herança recebida constava o mestrado de Santiago). No ano seguinte ficou com o posto de fronteiro-mor do Alentejo e Algarve, também em substituição do sogro. Afonso V seu irmão, retirou ainda o cargo de condestável ao filho do regente Pedro, e a vitória de Alfarrobeira confirmou-o nestes três lugares de natureza militar: mestre de ordem religioso-militar, fronteiro-mor e condestável. Como se sabe, Alfarrobeira constituiu o remate da tensão crescente entre várias facções da nobreza, em torno do jovem Afonso V contra os partidários do seu tio Pedro, duque de Coimbra e regente na sua menoridade. A batalha deu-se a 20 de Maio cie 1449, consagrando a vitória da facção do rei, apoiada pelo duque de Bragança.
O conflito teve como rastilho o facto de este último ter feito queixa a Afonso V na sequência da recusa do infante Pedro em deixá-lo passar com a sua hoste nas suas terras, uma vez que se dirigia de Bragança a Lisboa. Relato este conflito aqui porque, juntamente com os que terão lugar em vida da rainha, durante a década de 1480, são as duas grandes manifestações de conflitos internos que dividiam a corte naqueles anos. É importante referir que a família da nossa rainha estava ligada aos Bragança e à facção vencedora, e que seu pai beneficiou com a derrota das forças chefiadas peio infante Pedro. Em 1453 o infante Fernando recebeu em doacção de Afonso V as vilas de Beja, Serpa e Moura. A posse destas terras transformou-o, juntamente com o cargo de fronteiro-mor, no maior senhor do Sul do reino. Foi a partir desta época que recebeu o título de duque de Beja, a que juntaria mais tarde o de duque de Viseu, herdado do tio Henrique». In Isabel Guimarães Sá, De Princesa a Rainha-velha, Leonor de Lencastre, colecção Rainhas de Portugal, Círculo de Leitores, 2011, ISBN 978-972-424-709-0.

Cortesia de CLeitores/JDACT