De Menina a Mulher. Os primeiros treze
anos (1458-1471)
«Nasceu dona Leonor a 2 de Maio
de 1458. Será preciso informar acerca
da estirpe da recém-nascida, mais do que sobre as circunstâncias de tempo e
lugar, que de resto se ignoram, tirando sabermos que nasceu em Beja. A família
dos seus pais era uma só: a
descendência de João I e de dona Filipa de Lencastre, os fundadores da dinastia
de Avis, que naqueles tempos e naquelas pessoas era bom casar entre
primos. Fernando e dona Beatriz, os pais de dona Leonor, eram ambos netos do
rei fundador. Ele, filho segundo do rei Duarte I, irmão de Afonso V e neto de
João I; ela, filha do infante João (1400-1442), sétimo filho de João I e
de dona Filipa de Lencastre. A seu tempo, também dona Leonor casaria com um
primo coirmão.
Um pai
ambicioso. O infante Fernando, irmão do rei Afonso V
Detenhamo-nos um pouco sobre a
figura paterna, que, se não explica tudo, parece configurar boa parte do que se
passou depois na família real portuguesa. Foi Fernando o escolhido por seu tio,
o infante Henrique, de seu cognome o Navegador (??), que haveria de
morrer dois anos depois do nascimento desta sua sobrinha sobre quem se escreve,
para lhe suceder na sua vastíssima fortuna. Um primeiro testamento do infante
Henrique, que dizem ter sido feito para agradar ao rei Duarte I e apaziguar a
sua eventual inveja perante o sucesso económico do irmão, fazia de Fernando o
seu herdeiro universal, já transformado em seu filho adoptivo através de uma
perfilhação datada de 1436. Ainda
que os historiadores que estudaram a questão de perto tenham mencionado a
posterior invalidação do testamento, não deixaram de referir que na prática
este sobrinho veio a herdar o grosso dos avultadíssimos bens do tio. Pelo
tanto, encontraremos o infante Fernando a herdar o título, duque de Viseu e os importantíssimos
senhorios do infante Henrique. Mas, se olharmos de perto, a herança do tio e
pai adoptivo foi apenas uma de três componentes da fortuna de Fernando: as
outras duas incluem o facto de ter sido o sucessor do sogro, que ficou sem
filhos homens para lhe suceder, e o de ter ele mesmo agenciado fortuna própria.
A escalada da riqueza e poder de
Fernando, duque de Viseu, foi em crescendo desde a sua mais tenra idade. Aos 11
anos foi nomeado mestre da Ordem de Santiago, dominando atravrés dela um
território que compreendia a península de Setúbal, grande parte do Baixo Alentejo
e ainda alguns lugares do Algarve. A juntar também os elevados rendimentos da
ordem, de que recebia uma parte. Por essa razão, vamos encontrá-lo diversas
vezes em Palmela, Alcácer do Sal e Setúbal, cenário de alguns momentos fundamentais
da sua vida e da da sua família próxima. Em 1447, aos 14 anos, casou com a prima dona Beatriz, filha do infante
João e de dona Isabel, filha do primeiro duque de Bragança, e neta de Nuno Álvares
Pereira. Por vicissitudes várias dos irmãos da mulher, o infante Fernando acabou
por ser o principal herdeiro do infante João, seu sogro, morto em 1442 (entre a herança recebida constava
o mestrado de Santiago). No ano seguinte ficou com o posto de fronteiro-mor do
Alentejo e Algarve, também em substituição do sogro. Afonso V seu irmão,
retirou ainda o cargo de condestável ao filho do regente Pedro, e a vitória de
Alfarrobeira confirmou-o nestes três lugares de natureza militar: mestre
de ordem religioso-militar, fronteiro-mor e condestável. Como se sabe,
Alfarrobeira constituiu o remate da tensão crescente entre várias facções da
nobreza, em torno do jovem Afonso V contra os partidários do seu tio Pedro,
duque de Coimbra e regente na sua menoridade. A batalha deu-se a 20 de Maio
cie 1449, consagrando a vitória da
facção do rei, apoiada pelo duque de Bragança.
O conflito teve como rastilho o facto
de este último ter feito queixa a Afonso V na sequência da recusa do infante
Pedro em deixá-lo passar com a sua hoste nas suas terras, uma vez que se
dirigia de Bragança a Lisboa. Relato este conflito aqui porque, juntamente com
os que terão lugar em vida da rainha, durante a década de 1480, são as duas grandes manifestações de conflitos internos que
dividiam a corte naqueles anos. É importante referir que a família da nossa rainha
estava ligada aos Bragança e à facção vencedora, e que seu pai beneficiou com a
derrota das forças chefiadas peio infante Pedro. Em 1453 o infante Fernando recebeu em doacção de Afonso V as vilas de
Beja, Serpa e Moura. A posse destas terras transformou-o, juntamente com o
cargo de fronteiro-mor, no maior senhor do Sul do reino. Foi a partir desta
época que recebeu o título de duque de Beja, a que juntaria mais tarde o de duque
de Viseu, herdado do tio Henrique». In Isabel Guimarães Sá, De Princesa a
Rainha-velha, Leonor de Lencastre, colecção Rainhas de Portugal, Círculo de
Leitores, 2011, ISBN 978-972-424-709-0.