Alexandre III
«(…) No primeiro plano estavam antes aquelas considerações
políticas que já, muitos anos antes, na legacia do cardeal Jacinto, tiveram de
ser tomadas em consideração. A Cúria abandonara agora o pensamento do
predomínio dum só estado da Península, podia e devia por isso agora, cuidar dum
ajustamento dos interesses e reconhecer a igualdade de direitos dos vários
príncipes, a princípio pelo menos no ocidente da Península.
A estreita interdependência do desenvolvimento político de
Portugal e do papel concedido à Metrópole bracarense, surge aqui de novo. Desde
que Portugal fora reconhecido como reino, podia Braga exigir também no
cerimonial os mesmos direitos que possuía a Metrópole vizinha. Aos arcebispos
de Compostela havia Eugénio III concedido o privilégio de alçar a cruz na sua
província eclesiástica, e isso era considerado então como privilégio especial.
O mesmo privilégio recebeu agora a 29 de Novembro de 1180 o arcebispo de Braga, de modo que
possuía a mesma categoria do seu rival. Também nas exterioridades, que eram tão
importantes na idade-média, valia a igreja portuguesa tanto como a leonesa. Com
isto chegamos ao fim; acompanhamos até final a luta dos portugueses pela sua
independência. Se os vários pontos litigiosos, à volta dos quais giraram as
questões, ainda não estão arrumados, nunca mais surgiu nada de novo na
essência. O processo com Santiago foi resolvido por Inocêncio III depois de formidável
gasto de tinta, em 1199, sendo os
bispados em litígio divididos. Santiago recebeu além de Lisboa e Évora, ainda Lamego
e o bispado então criado de novo em Idanha (Guarda) e finalmente Zamora, ao
passo que Braga conservou Coimbra e Lamego. Esta divisão, apesar de geográfica
e politicamente absurda, manteve-se 200 anos, até que finalmente as confusões do
grande cisma ocidental obrigaram a uma renovação baseada nas fronteiras
políticas. Por outro lado, também a luta pela primazia com Toledo ressuscitou
de maneira curiosa, quando o arcebispo Rodrigo Jimenez de Toledo apresentou
mais uma, vez à Cúria as suas antigas pretensões. Inocêncio III, a quem não
convinham estes serôdias exigências, impediu-o primeiro de iniciar o processo,
mas por meio da sua célebre aparição no quarto concílio de Latrão conseguiu Rodrigo
o procedimento judicial contra Braga. Não conseguiu porém senão que Honório III
depois de longas negociações suspendesse o julgamento, isto é, que ficasse tudo
como antes. Mas este processo sem consequências jurídicas e anacrónico tem para
a ciência uma grande importância, visto que em mais do que um sentido nos
fornece documentos de valor único, sem os quais pouco saberíamos mesmo das primeiras
fases da grande questão à volta da primazia.
Entretanto, mantiveram-se em crescente animação as relações entre
o Papado e Portugal. O número de privilégios e rescritos cresce continuamente,
atingindo em poucos anos considerável importância, se tivermos em conta a
grande distância e as dificuldades do viagem. A ligação de Portugal com o
organismo da igreja de Roma papal está completada no Papado de Alexandre III.
É digno de nota que em todo este tempo deixamos de ouvir falar de esforços
directos dos papas para promover a continuação em Portugal das guerras contra
os mouros. É evidente que isto deve derivar de lacunas do nosso material
precisamente a tal respeito não é provável que tenha afrouxado o entusiasmo da Cúria
a favor da guerra mourisca. Mas para podermos julgar com segurança neste caso,
precisaríamos de abranger todo o material existente em diplomas papais na
Península, sobretudo em Castela e Leão. O estudo que apresentamos, não pretende
dar uma narração exaustiva e definitiva, e muita coisa fica no campo das
hipóteses. Algumas coisas poderão ser completadas, logo que as relações entre o
Papado e as regiões centrais da Península tiverem sido convenientemente estudadas;
mais ainda seria porém necessário prosseguir no estudo da história interna de
Portugal com a ajuda sobretudo dos diplomas reais, cuja colecção e publicação é
da maior urgência, até mesmo para a investigação história portuguesa». In
Carl
Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa,
Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra
Editora, 1935.
Cortesia de Separata do BIAlemão/JDACT