Um pai
ambicioso. O infante Fernando, irmão do rei Afonso V
«(…) Com a morte deste em 1460, começou o infante a receber os
seus bens: os arquipélagos da Madeira e Açores e as quatro ilhas que então se
conheciam do arquipélago de Cabo Verde. Entre estas ilhas, avulta a da Madeira,
pela importância económica que detinha então o açúcar que nela se produzia, e
de que voltaremos a falar. Mas continuou o infante Fernando a acumular património:
ficou também com o monopólio das saboarias, o fabrico do sabão não era
acessível a particulares, e obteve do papa em 1461 o mestrado da Ordem de Cristo, em concorrência com o próprio
rei seu irmão, que também o pretendeu para a sua família. Em 1464, seria a vez de receber Lagos.
Junte-se a estes bens de natureza territorial (acompanhados, como se sabe, das
prerrogativas jurídicas próprias dos senhorios medievais) os seus interesses na
expansão africana, que motivaram várias expedições a Marrocos, e os negócios
decorrentes da expansão marítima. Sebastiana Lopes, cujo trabalho temos estado
a seguir apoda a sua ambição de desmedida,
e chama também a atenção para a incapacidade de Afonso V em fazer frente à
avidez do irmão.
O infante Fernando rivalizava
ainda com o poderio da maior casa titular portuguesa em tamanho, estamos a
falar dos Bragança, com a vantagem de apresentar um território contínuo, ainda
para mais de fronteira, enquanto o duque de Bragança tinha os seus senhorios
espalhados por todo o reino. Nessa época, a localização de territórios junto à
raia significava uma capacidade de organização do ponto de vista militar que
conferia grande força aos seus detentores. De resto, o alinhamento de Fernando
ao lado do seu irmão em Alfarrobeira, pela força militar com que participou na
luta contra o regente Pedro, tinha sido decisivo na vitória da facção do jovem
rei. A importância de Fernando na cena familiar régia é de resto confirmada por
indicadores indirectos. O infante aparece sempre em lugar de destaque nas
cerimónias oficiais. O que não admira, uma vez que seria rei em caso de morte
de Afonso V: terá sempre carácter de suplente ao longo da sua vida, que de
resto transmitirá à sua descendência com consequências funestas. O seu filho
Diogo, como veremos, morrerá às mãos de João II acusado de conspirar contra ele
para tomar o seu lugar no trono. Fernando estará presente ao lado do rei em 1451, aos 18 anos, no casamento da irmã
de ambos, dona Leonor, com Frederico, imperador da Alemanha. Nas profusas
cerimónias descritas por um dos embaixadores do noivo, Nicolau Lanckman de Valckenstein,
aparece sempre em lugar imediato ao rei, juntamente com o infante Henrique. Em
todas as ocasiões é ele claramente o número dois: quando se apresenta com a sua
corte (expressão usada pelo cronista) no desfile, em que todos vestem da mesma
cor, ou mais tarde quando desafia o rei para uma justa.
Do mesmo modo, foi o infante que
levou nos braços à pia baptismal o seu sobrinho João, depois João II, quando o
menino foi conduzido sob um pálio pelas ruas de Lisboa descendo dos paços da
Alcáçova à Sé. Foi em 1455, aos oito dias depois que a rainha pariu, que
foram 11 do dito mês de Maio. Os paços da Alcáçova situavam-se no castelo
de São Jorge, pelo que pode imaginar facilmente a distância percorrida pelo
cortejo até à Sé Catedral de Lisboa. Nesse mesmo ano ou no seguinte, Damião de
Góis não tinha a certeza, o infante Fernando foi também armado cavaleiro,
acompanhado por mil tochas, levadas por quatrocentos cavaleiros e seiscentos
escudeiros dos mais luzidos da corte, todos vestidos de um trajo, e libré,
(aqui o nosso cronista não hesitou nos números). A data incerta de Damião de Góis
é precisada num códice da Biblioteca da Ajuda que corresponde a notas destinadas
a serem usadas na escrita das crónicas, de autores desconhecidos, e a que se
deu o título de Apontamentos
históricos. Nele se afirma que o duque foi de facto armado cavaleiro a
25 de Agosto de 1455, isto é, no mesmo
ano em que o futuro João II nasceu. O infante Fernando teve nove filhos com sua
mulher, e fundou com ela um convento importante, Nossa Senhora da Conceição de
Beja, da observância franciscana, que haveria de ser também o panteão da
família, por obra e graça da sua viúva dona Beatriz, que continuou o labor da
fundação do convento depois da sua morte.
Interroga-se sobre as relações
que dona Leonor teria tido com seu pai. Fraca pergunta, porque impossível de
responder. As fontes não nos dão quase nunca esse tipo de informação. Em todo o
caso, o pai morreu novo, tendo a filha apenas 12 anos. Como para muitos outros
antes e depois dele, dona Leonor foi seguramente uma filha para dar em
casamento a um aliado. Mesmo tendo morrido cedo, o pai teve tempo de a
apalavrar para casar com o menino que levara nos braços à pia baptismal, o
sobrinho João. Segundo Góis, os acordos deste casamento foram tratados em 1466, isto é, aos 8 anos de Leonor e 11
do príncipe. O autor ou autores dos Apontamentos
históricos, dão no entanto um timingdiferente para este acordo: verificou-se logo a seguir à expedição em que o infante Fernando conquistou
Anafé com autorização do irmão, em 1468».
In
Isabel Guimarães Sá, De Princesa a Rainha-velha, Leonor de Lencastre, colecção
Rainhas de Portugal, Círculo de Leitores, 2011, ISBN 978-972-424-709-0.
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