Pablo
Picasso. El Torín
Barcelona,
finais de Setembro de 1895
«(…) Pablo não respondeu. Sabia que
o pai tinha razão. Mas também sabia que envelhecia mal. Andava sempre triste e amargurado.
Tudo aquilo se acentuara na Corunha, depois da morte da irmã e quando se decidiu
a não voltar a pintar. Deixa-o. É uma criança, interveio a mãe, que sempre se colocava
do seu lado. Não dizes que é muito bom e que será um grande pintor? Então permite-lhe
alguma liberdade. Não faz nada de mal, sai de casa e desenha. Não é o que
querias? O pai não respondeu. Sabia que a mulher defendia sempre o rapaz, mesmo
que fosse apenas para o contradizer, para o colocar em evidência. Pablo era o seu
favorito. María Picasso não percebia de pintura e, apesar de não revelar
admiração pelo marido, acompanhava-o unicamente na convicção de terem um génio na
família, alguém que o superaria e que se tornaria um pintor de verdade. Para quê
ser tão rígido? A disciplina, a ordem e o seguimento dos professores e dos
amigos artistas não haviam feito do pai um bom pintor, apenas um professor competente.
Pablo tinha razão. Precisava de asas e não que o seu melancólico e triste
marido tentasse cortá-las e aprisioná-lo a cada passo. Anda. A tua mãe tem o jantar
preparado, disse José com o intuito de terminar por ali a discussão. Talvez não
fosse absurdo alugar um estúdio ao rapaz. Convinha-lhe ter um espaço próprio, mesmo
que fosse um local pequeno e modesto, pensou o pai José enquanto se sentava à mesa.
O estúdio
Barcelona,
Setembro de 1896
Aqui ficarás bem, disse-lhe o seu
pai. José alugara ao rapaz um pequeno quarto para que instalasse o seu atelier, situado no número quatro da Rua
de la Plata. Tudo isto é para mim, pai? Não é muito grande, mas é o suficiente.
Mal cabemos em casa e isto é tudo o que posso pagar para que te dediques a pintar,
disse, lacónico, e logo a seguir, como se falasse consigo mesmo, acrescentou: …
um pintor necessita de estar sozinho para
que o seu mundo flua até à mão; um pintor necessita de silêncio e solidão. Precisamente
o que ele nunca tivera.
José
olhou o rapaz e abraçou-o. Não era homem dado a gestos efusivos, mas não
conseguiu evitar abraçar o seu filho. Chegara à conclusão de que faria tudo o que
estivesse ao seu alcance para ajudar a carreira daquele rapaz que tinha um dom
prodigioso, acreditando que os seus olhos conseguiriam ver a pintura como
ninguém o fizera até então. Ainda conseguia recordar o seu pequeno desenhando na
areia da Praça de La Merced, sem levantar o dedo do solo, quando ainda nem sabia
andar, começando o desenho de um cão, de um galo ou de uma pomba pelo ponto
indicado pelas primas: pela cauda, pela cabeça, por uma pata. Tanto fazia. Pablito era capaz de desenhar começando por
qualquer parte. Aquele rapaz, que sempre tivera problemas com a ortografia e a aritmética,
e a quem não interessavam os livros, passava o dia pintando touros, pombas e tudo
o que lhe pediam as suas primas. Pis, pis,
pis, dizia a sua mãe que fora a primeira palavra que aprendera. Pedia um lápis
mesmo sem saber falar. Um lápis que não mais soltaria até ao ultimo dia da sua vida,
mesmo que o seu pai não o pudesse saber». In Esteban Martin, O Pintor de Sombras,
2008, tradução de Renato Carreira, Saída de Emergência, 2011, ISBN
978-989-637-310-8.
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