sábado, 8 de agosto de 2015

Uma Defesa da Esperança Política. O Futuro e os seus Inimigos. Daniel Innerarity. «Falando com propriedade, não há condições para uma argumentação do tipo ceteris paribus porque a suposição de que não acontece nada diferente do esperado implica uma descontinuidade»

rosaramalho 
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Necessidade e limites da prospectiva
«(…) Na verdade com a crescente dinâmica da civilização diminuem notavelmente as possibilidades de prognosticação do tipo de vida que nós e os que depois vierem iremos ter. Como acabo de indicar, a certeza de outros tempos acerca do futuro resultava simplesmente de então ser muito maior a verosimilhança de o futuro ser, no essencial, muito parecido com o presente. Em relação ao nosso tempo, todo o presente de outrora desfrutou da extraordinária vantagem cultural de poder dizer sobre o seu próprio futuro coisas muito mais exactas do que as que nós hoje podemos adiantar.
Não é exagerado falar da nossa incapacidade colectiva de antecipar o futuro: aumentou a inexactidão das predições. Nenhuma civilização soube tão pouco sobre o futuro como a nossa. Paradoxalmente, a exactidão e a validade dos prognósticos não são melhoradas, mas reduzidas, pelo progresso do saber. Embora nunca tenhamos tido ao nosso alcance tantos dados sobre o mundo e sobre nós próprios, o futuro é cada vez menos transparente. Nesta perspectiva, compreende-se que a caracterização weberiana dos processos civilizatórios como processos de racionalização tenha actualmente uma tonalidade eufemística ou ambígua: a racionalidade não vem necessariamente acompanhada por segurança, estabilidade, previsão e controlo.

Que se conhece quando se conhece o futuro?
A prospectiva é o conhecimento do futuro possível, desejável ou verosímil, bem como das possibilidades de o configurar. Poderíamos defini-la como a tentativa de conhecer, identificar e avaliar as tendências sociais. Mas com isto não fica tudo dito, pois resta no ar a questão do seu estatuto epistemológico, isto é, falta determinar o que é que nós conhecemos quando conhecemos o futuro. Como o futuro é uma realidade paradoxal, também o será a pretensão de o conhecer. Se na história irrompe alguma novidade ou alguma emergência, nós não podemos sabê-lo nem antevê-lo. Com base em que experiência anterior poderemos dizer que estamos perante outra totalmente nova? Sem termo de comparação, a novidade escapa-nos; havendo-o, a novidade não seria tão nova. O completamente novo seria irreconhecível, pois não poderíamos identificá-lo segundo nenhuma das nossas categorias. Se, porém, fosse prognosticável, o novo já não seria o futuro mas sim a repetição das suas antevisões, ou seja, uma forma de continuidade do presente.
O nosso conhecimento do futuro está sempre enredado neste dilema. A prospectiva não é possível nem para o completamente novo nem para o completamente velho. Trata-se de conhecer o relativamente novo, visto que o novo consiste em algo conhecido ser posto num contexto inédito e experimentar uma nova valorização. É preciso distinguir o futuro esperável, que vem ceteris paribus (que podemos antever com base em experiências anteriores), da inovação radical, que surge transcendendo o horizonte aberto pelas experiências e não corresponde a nenhuma expectativa. A prospectiva é inseparável de uma constelação em que intervêm três elementos: identificação do novo, observação do presente e orientação para a acção.
O conhecimento do futuro pressupõe, em primeiro lugar, a capacidade de identificação do novo. A futurologia clássica seguia a lógica de uma evolução contínua na qual em presença de determinadas condições se repetiria o que já ocorrera no passado. É uma concepção fraca do novo, entendido como mera extrapolação do que já existe. O novo em sentido enfático tornar-se-á incompreensível se nos empenharmos em situar os acontecimentos em cadeias lógicas, já que surgem repetidamente factores que interrompem as sequências causais. Falando com propriedade, não há condições para uma argumentação do tipo ceteris paribus porque a suposição de que não acontece nada diferente do esperado implica uma descontinuidade, a saber: perante os desafios sociais, técnicos ou ecológicos, os seres humanos só recorrem a soluções que já estavam inventadas, o que contradiz a realidade da nossa história, que é tanto continuidade como inovação». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT