O Algarismo e o Número
«(…) Afonso de Leão, que nada sabia acerca da morte do
primo, o rei de Castela, não suspeitou das intenções de Berenguela e permitiu
que Fernando, de dezasseis anos, viajasse para Castela para se juntar à mãe.
Por aquela ocasião, Berenguela já havia urdido todo o seu plano. Apoiada por
vários nobres, a neta de Leonor de Aquitânia foi proclamada rainha de Castela
em Valladolid, alegando para tal os seus direitos como filha primogénita do rei
Afonso VIII, o vencedor das Navas. A cerimónia teve lugar em Valladolid, no dia
2 de Julho. Nessa mesma cerimónia, Berenguela renunciou à coroa de Castela
e ante a multidão congregada numa esplanada junto a uma das portas da vila de
Pisuerga cedeu os direitos ao trono ao seu filho Fernando, após um discurso em
que assegurou que uma mulher podia transmitir o poder régio, mas não podia
defender o reino das graves ameaças que sobre ele pairavam, e acrescentou que
graças ao prudente conselho dos ricos homens considerava que o rei legítimo não
era outro que não o seu filho Fernando. Nem sequer havia transcorrido um mês desde
a morte do jovem Henrique.
A multidão desatou em aclamações que eram incitadas por alguns
agentes de Berenguela, convenientemente distribuídos por entre aquela multidão.
Fernando era um jovem atractivo e ajuizado. Quando o casamento dos pais foi
anulado, o jovem infante permaneceu em Leão, ao lado do pai, se bem que de vez em
quando viajasse até Castela para passar uma temporada com a mãe, a rainha Berenguela.
Morto Henrique, Fernando era a única esperança de Castela em se manter
independente de Leão. Os castelhanos viram no jovem Fernando o soberano capaz de
fazer frente às ânsias anexionistas do ambicioso rei leonês. Aclamado por
vários milhares de pessoas, o novo monarca entrou em Valladolid encabeçando um
desfile de cavaleiros e escoltado por todos os ricos-homens de Castela. Na
igreja de Santa Maria, os bispos de Burgos e Ávila rezaram um solene tedeum e Fernando, ajoelhado diante do
altar da Virgem, deu graças a Deus e aceitou defender Castela e a fé cristã de
todos os seus inimigos.
Quando se inteirou do engano urdido por Berenguela, Afonso
de Leão sentiu-se burlado e ofendido, e convocou os nobres leoneses para o
exército. Sem perda de tempo, penetrou em Castela e dirigiu-se pelo Douro até
Valladolid. Inteirada de que o rei leonês se acercava, furioso, à frente do seu
poderoso exército, Berenguela ordenou aos bispos Maurício de Burgos e Domingo de
Ávila que saíssem ao seu encontro arvorando as cruzes episcopais e procurassem
entretê-lo para ganhar tempo, poder fugir para Burgos e, a partir daí,
organizar a defesa.
Os dois bispos encontraram-se com Afonso apenas a uma hora
de caminho de Valladolid. O monarca leonês bramava como um touro furioso e não
parava de clamar contra a sua antiga esposa Berenguela, a que chamava harpia e
bruxa. Os prelados Maurício e Domingo tentaram acalmá-lo alegando que a
sucessão ao trono se tinha realizado conforme o direito castelhano, e que era
necessário evitar por todos os meios um confronto entre cristãos. Recordaram-lhe
que o verdadeiro inimigo estava no Sul e não havia que desperdiçar forças em
lutas estéreis entre castelhanos e leoneses, mas sim aproveitar a vitória sobre
os muçulmanos almóadas, conseguida cinco anos antes nas Navas de Tolosa, para
engrandecer os reinos de Castela e de Leão e com eles toda a cristandade. Mas
Afonso de Leão não estava disposto a ouvir discursos de irmandade entre cristãos.
Não era muito inteligente, mas o seu orgulho não tinha limites e sentia-se
humilhado pela farsa que Berenguela havia tramado para elevar o filho de ambos
ao trono de Castela». In José Luís Corral, El Número de Deus,
2004, O Número de Deus, O Segredo das Catedrais Góticas, tradução de Carlos
Romão, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.
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