A tradição associada
ao ano de 1110. De expugnatione Scallabis
«(…)
José Mattoso reforça a ideia de que se trata de um escrito único em toda a
historiografia portuguesa, por não existir nenhuma outra narrativa de uma acção
militar feita pelo rei na primeira pessoa. Mas, como refere, o que permanece
por explicar é a atribuição da autoria ao próprio rei e o uso da narrativa na
primeira pessoa. O seu autor seria da Sé de Coimbra, segundo Aires Nascimento,
ou de Santa Cruz, segundo Lindley Cintra. Esta distinção é, para mim, pouco
relevante se atendermos à profunda influência exercida pela comunidade crúzia
no restante clero, na segunda metade do século XII, para onde saiu um número
significativo de bispos e priores.
Na descrição dos factos, a determinação do tempo faz-se de
forma explícita, com pormenores que fornecem quase a nossa desejada certidão
civil do rei: Foi ela [Santarém] tomada a quinze de Março, ao
raiar de um sábado, na era de 1185 (a.
D. 1147), ano esse em que os Mouros,
a quem se dá o nome de Mozamida, deram entrada em Espanha e destruíram a cidade
de Sevilha, e em que eu tinha quase completado 37 anos de idade e 19 de
reinado, ainda não era passado um ano inteiro sobre o meu casamento com
Mafalda, filha do conde Amadeu, de quem haveria de nascer o meu filho
primogénito, Henrique, a 5 do mesmo mês em que a cidade foi tomada segundo esta
sequência de acontecimentos. Obtemos assim, desta forma espantosa, na
pessoa do próprio visado, a informação que nasceu em 1110, depois de 15 de Março. Mais se diz que vai no 19º ano
de reinado, o que é o mesmo que dizer que estes se contam a partir de 1128, o ano da batalha de São Mamede,
que ocorreu a 24 de Junho (a importância da batalha de S. Mamede está
subjacente ao título de uma conferência proferida por José Mattoso em 1978
na cidade de Guimarães, a primeira tarde portuguesa numa
alusão ao painel da autoria de Acácio Lino, que representa a batalha de S.
Mamede e se encontra no Palácio da Assembleia da Republica). A consideração do
ano de 1128 como o começo do reinado
de Afonso Henriques encontra-se expressa em muitas das notícias dos Annales
D. Alfonsi Portugalensius regis.
Os almóadas tomaram Sevilha aos almorávidas em 17 ou 18 de
Janeiro de 1147, o casamento com
dona Mafalda foi provavelmente a 31 de Março de 1146, portanto quase a fazer um ano, conforme é referido no texto. O
primeiro filho do casal régio foi um menino chamado Henrique, que teria morrido
cedo, pois este é o único registo do primogénito do rei Afonso Henriques.
Torna-se evidente a preocupação do narrador em caracterizar o ano da tomada
de Santarém, por indicações cronológicas coerentes entre si e até bem
informadas. O tom parece ser o de recordar um acontecimento passado, numa
perspectiva de exaltação heróica de um acto de conquista, amplificado pelo
decorrer do tempo, como sucedeu relativamente à batalha de Ourique
registada nos Anais de D. Afonso por volta de 1185. Registo este que seria da mesma
altura da produção da narrativa da tomada de Santarém. De acordo com a opinião
de Luís Krus, esta poderia ter sido escrita na sequência do cerco de Santarém
pelas hostes almóadas em 1184 (no mesmo sentido, B. Reilly considera a Tomada de Santarém como um texto de
natureza literária baseado em contos populares e, portanto, afastado dos
acontecimentos que descreve; parece-nos menos plausível a hipótese avançada por
A. Nascimento, que considera que a sua composição possa ter sido realizada
muito próximo dos acontecimentos, ainda no contexto da emoção provocada pela
conquista, e antes da tomada de Lisboa, no mesmo ano, a 25 de Outubro de
1147, com o argumento que esta remeteria, mais tarde, a notícia da tomada de
Santarém para segundo plano; podemos contrapor a este argumento que o texto, a
ser escrito imediatamente antes da conquista de Lisboa, não poderia deixar de
nomear esse objectivo, pois quando a armada dos Cruzados vinda de Dartmouth
chegou ao Porto, no dia 16 de Junho de 1147, já o bispo da cidade
tinha instruções do rei para os receber, e lhes propor participarem na
conquista de Lisboa)». In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de
Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto
de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.
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